terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Velho Buk

"Se for tentar, vá até o fim
Não há outro sentimento como esse
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito

É a única luta que vale a pena"

Charles Bukowski



Cena final do filme Factotum - Sem Destino, de 2005.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O Amor É Assustador

Cento e oito reais. Foi o que ele disse. Ela, simplesmente, desviou o olhar para os outros casais. Repetiu, baixinho. Cento e oito reais... Batucou na mesa, como se esperasse uma resposta. Ela se manteve calada. Ele chamou o garçom e lhe alcançou o cartão de crédito.

Voltou-se para ela. Antes de terminar a noite, queria assistir seu feminismo ufanista e seu socialismo de boutique se encerrarem ali, na hora de dividir a conta do restaurante.

Logo, logo retornariam para casa. No trajeto, discutiriam essas e outras amenidades. Até o ponto de ficarem com raiva um do outro. Não transariam. Desabariam cada um para seu lado da cama. De manhã, ainda com raiva, ele perguntaria rispidamente se tem frios para o café da manhã e ela responderia de forma áspera que não.

Então, ele botaria qualquer roupa e sairia atrás de cem gramas de queijo e presunto.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Virose no jornal Metro

Meu romance de estreia, Virose, virou matéria no jornal Metro de hoje, página 17.

"O autor constrói sua teia com bons momentos de suspense e humor, num estilo que se inspira em Nelson Rodrigues, John Fante e Charles Bukowski", diz o texto. Mais informações do meu livro (trechos e como comprar), só clicar aqui.

Em Porto Alegre, a tiragem do Metro é de 40 mil exemplares. Dá para acompanhar o jornal também pelo site http://publimetro.band.com.br/.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Hora de Fazer a Barba

Eu tava na biblioteca, quando ele se aproximou.

- Com licença, tu não é escritor?

Em milésimos de segundo, pensei que esse negócio de boca-a-boca, divulgação na internet e todas essas coisas que os escritores independentes se agarram com unhas e dentes para se promoverem, de fato, funcionam. Quase sorri antes de responder, mas me contive.

- Sim, sou escritor.
- Cara, curto muito os teus livros. Tu é foda!
- Livros?! Mas eu só tenho um livro publicado...
- Ué?! Tu não é o Daniel Galera?

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Visões do Ano

E como, afinal, vimos e interpretamos este 2013? 

Boate Kiss, protestos, mensalão, Papa, espionagem, Mandela... 2013 foi um ano que ficará por um bom tempo marcado na gente. Não foi fácil, mas fiz um balanço de (quase) tudo que aconteceu para o site Mínimo Múltiplo, do jornalista Lucas Colombo.

(...)
Pois um ano que inicia com a morte trágica de 242 jovens em uma casa noturna, todos acotovelados e pisoteados em meio a fumaça, na cidade de Santa Maria, será difícil de esquecer. Aliás, como seria bom se nunca tivéssemos amanhecido naquele 27 de janeiro. O pavor ainda segue. Não há condenados pela tragédia. Mesmo com a boate superlotada, sem alvará e com uma apresentação de um tosco show pirotécnico em um espaço ínfimo, a justiça ainda não encontrou os culpados. Triste, muito triste. 
(...)

Para ler o texto completo, só clicar aqui.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O Amor e Outros Objetos Pontiagudos

"Quando entramos no quarto e começamos a tirar a roupa, ela perguntou se tinha alguma coisa especial que eu gostaria que ela fizesse. Eu disse: tem, sim, quero que você me faça esquecer uma mulher".

- Marçal Aquino

Trecho do conto Sete Epitáfios Para Uma Dama Branca, do livro O Amor e Outros Objetos Pontiagudos (Geração Editorial). 

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Quando Eu Me Chamar Saudade*


Vivemos uma época de intensa busca e interesse pelo novo. Novas ferramentas, novas idéias, novos ideais... O velho já não nos diz muito. O velho não nos diz quase nada. Não temos tempo para olhar para trás. Temos de ser ágeis – afinal, não podemos perder tempo. Temos que olhar para frente. O que ficou para trás, ficou para trás.

Com as coisas ao nosso redor funciona assim. E com os homens, não agimos diferente. Temos essa mesma visão – muitas vezes, sem nos dar conta. Os velhos estão ultrapassados e não se adaptaram a nós – quando, na verdade, deveria ser exatamente o inverso. Deixamos para eles nosso pesar, nossa pena. Eles são os retardatários em nossa corrida diária. São obstáculos, estorvos e incômodos que nos atrasam. 

Inconscientemente – ou não, em alguns casos – contamos os dias para o fim deles, que será inevitável. E, depois, ficamos com aquela falta. Comovidos como o diabo. Aquelas perguntas não respondidas, ecoando, ecoando. Comigo, foi assim. Minha vó se foi há algum tempo. E, dia desses, estava perguntando que mulher foi aquela. E não sabia responder. Da onde veio? Quem foram seus amores, desamores? O que ela teria sentido ao ter tirado carteira de motorista na década de 60? E, nas vezes, que ficou doente, porque insistiu tanto para viver? O quê ou quem a manteve de pé? Teria medo da morte? Tantas, tantas perguntas sem respostas...

Ela se foi. Ensinou-me muito, decerto. Mas quanto mais poderia ter me ensinado se, realmente, eu tivesse tempo para ela? Agora, é tarde. E quando fico só, em silêncio, possou ouvir o corvo repetir sua ladainha: “nunca mais, nunca mais”. 

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Foto: Lucas Barroso
Mas, deixando a tristeza de lado, sempre há algo a aprender com já percorreu essa estrada. Recentemente, recebi a presença do Ademar Sílvio (74 anos, no centro da foto), um boêmio histórico portoalegrense, em meu trabalho. Fiquei só ouvindo o bate-papo dele com o mestre Cláudio Furtado – jornalista experiente e também um grande contador de histórias. E, durante a visita, outros vinham chegando e a prosa ia correndo solta. Teve causos da liga da canela-preta; Lupicínio Rodrigues; Botafogo; cabarés; mulheres; música; Literatura; Jornalismo... Porto Alegre e o Brasil passaram num filme. Belo filme!

Ademar esteve muito mal, internado. Problemas de fígado. Durante a conversa, não se queixou de nada. Não sentiu dor. Foi muito bonito. Então, pesquei algumas pérolas do Ademar:

“Na minha época cantor tinha que cantar. Não tinha essa de roupa, dança, luz”

“Depois que os compositores começaram a cantar... Daí, virou isso aí que vocês estão vendo”

“Não entendo como Lupicínio virou gremista. E fez até hino! Ele ia na liga da canela-preta (campeonato só de negros), e muitos ali foram rejeitados do Grêmio” 

“Lupicínio não cantava nada. Mas sabia disso e volta e meia dizia: Vem cá, meu camaradinha, mas o Martinho canta?”

“Paulo Coelho é o maior mentiroso que tem por aí... Quem já leu Machado, Barreto e até o Suassuna que tá vivo, por favor... Não tem comparação”

“Antigamente, as pessoas liam mais. Não era isso de passar o olho aqui e ali. Elas liam mesmo”

“A noite de Porto Alegre não tá boa. E pra velho de cabeça branca, então... Não tá mole”

“Antes o jornalista ia atrás. Agora, a notícia tem que ir atrás dele... E na redação”

“Com essa coisa de computador, o jornal sempre é de ontem”

“Hoje em dia, as pessoas acham que pensar dói”

“As pessoas leem um livro de receita ou O Pequeno Príncipe e já acham que são intelectuais... Mas eu, que sou velho, fico só olhando”.

“Via até treino do Garrincha, na época que morei no Rio. Não teve nada igual”

“Eu tava nos 200 mil do Maracanã, na final da Copa. Todo mundo chorou, não tinha ninguém que não chorava”

Tu é botafoguense? “Sou e suicida...”

“Na minha vida, eu tive três casamentos e dezesseis vivências”

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* título em alusão a música de Nelson Cavaquinho e do poeta Guilherme de Brito, dos versos “Mas depois que o tempo passar/ Sei que ninguém vai se lembrar/ Que eu fui embora/ Por isso é que eu penso assim/ Se alguém quiser fazer por mim/ Que faça agora”. 

Para quem nunca a ouviu, tá aqui o link: http://www.youtube.com/watch?v=jNNZUFH8R3s

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Um Método de Castração Eficiente

O tempo me domesticou
É o maior adestrador
De bestas
Que eu conheço



Poema inédito que, provavelmente, será incluído em meu segundo livro, O Ano dos Mortos. A ser publicado no início de 2014.

sábado, 9 de novembro de 2013

Entrevista com Clarice

Clarice Lispector foi uma das escritoras que me formaram como leitor e, inevitavelmente, me inspiram. A densidade e a perplexidade diante das coisas mundanas, um olhar sempre novo e crítico, são as marcas que tenho dela em mim.

Fico sempre chateado com a banalização que existe atualmente em relação a sua obra. Clarice acabou se tornando uma espécie de frasista nas mídias sociais. Alguém que dá conselhos. Seus versos, em sua maioria, são tirados de um contexto e jogados como ensinamentos. E não era isso...

Quem a leu, de verdade, sabe que não era isso. Nunca foi. Mas as palavras tomam a liberdade, ganham o mundo e, simplesmente, assumem vida própria. E o autor acaba não sendo mais dono de nada que escreveu. Talvez seja uma explicação para esse fenômeno popular que a Clarice se tornou. Talvez...

Também é importante ressaltar que ela teve, sim, uma fase consultora sentimental, onde realmente fazia esse trabalho sujo. Clarice usava um pseudônimo, Helen Palmer, para assinar o Correio Feminino, em jornais como o Correio da Manhã, nas décadas de 50 e 60, com dicas para as mulheres.

Mas sua obra é bem maior que isso. E essa entrevista para o programa Panorama, da TV Cultura, a única para televisão, evidencia muita coisa. Em certa altura, ela resume, o que também acredito ser, a essência de quem escreve. “Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora”. Imperdível!



sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Adiando o Esquecimento

Dando uma folheada em meu caderno de rascunhos, consigo ver nitidamente quanto tempo eu perco tentando adiar, inevitavelmente, o esquecimento. Que utopia! Que bobagem essa que me leva a escrever, mesmo doente, mesmo cansado, mesmo desiludido. 

Não adianta abrir o peito, puxar as tripas e despejar tudo. Há um limite que não se mostra de cara, que não se faz sentir. Eu tenho ciência disso e, mesmo assim, insisto. Chegará a hora que o papel não aceitará tudo. 

O tempo, simplesmente, vai soterrar a memória.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

RH - Última Etapa

- Ok, vou acreditar que você enxergou uma borboleta naquele borrão que a psicóloga te mostrou. Quando sei que, na verdade, você viu duas lésbicas transando enlouquecidamente.
- Como assim, senhor?
- Também vou fazer de conta que caí na história de você nunca ter usado drogas. Porra, nem um peguinha numa maconha tu deu, meu chapa?!
- Senhor, não tô entendendo...
- Putaria na internet, Mônica Mattos, Kid Bengala, imagino que você também nunca tenha visto.
- Eu... Sinceramente, não sei o que dizer.
- Aposto que você já roubou chocolate, cerveja ou salgadinho no supermercado.
- Nã... Acho que não.
- Eu não quero contratar um padre! Eu quero que você diga a maldita verdade, seu miserável! A VER-DA-DE.
- Tudo bem, tudo bem. Vou dizer.
- Como é que vou trabalhar oito horas do meu dia com um funcionário mentiroso. Você me entende? Tem que ser algo de confiança.
- Sim, o senhor está correto.
- Ok. Vamos começar de novo, então. É gostosa aquela psicóloga do RH, não é mesmo?
- Oh, com certeza.
- Comia?
- Todinha.
- É minha esposa. 
- Meu Deus...
- Viu só?! Agora, já sei. Não posso bobear, senão tu come minha mulher. Quantos amigos dizem isso pra gente? Nenhum. NE-NHUM!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Inimigo Público

- E como são os hábitos dele?
- Sei que ele come carne vermelha, fuma, usa tênis de mola e tá sempre de carro, pra lá e pra cá. Até pra ir na padaria ele vai de carro!
- Aham. E o lixo, ele separa?
- Não.
- Tem certeza que de bicicleta a senhora nunca viu ele andar?
- Tenho, sim senhor. Ele odeia bicicleta...
- Certo. Última pergunta, sei que a senhora está nervosa, não vamos mais tomar seu tempo, mas esse meliante é de direita?
- Sim! Sim! - nesse momento, a senhora não se contém e começa a soluçar. - E ele até assina a Veja! - completou, aos prantos.

O delegado deu um murro na mesa.

- Peçanha?! Pelo amor de Deus, ajude a senhora aqui. Traz um copo de água com açucar, que eu acho que já sei de quem ela tá falando...

Depois do Jantar

O pai ainda sonha com seus dias de aventura. A mãe, que abdicou do trabalho e assumiu de vez a casa, mira o relógio da sala e lembra que, nesse exato momento, deveria estar batendo o cartão ponto. Ambos estão diante da mesa posta. Repreendem, em coro, seu filho por falar de boca cheia. A coincidência de fala sincronizada não causa espanto algum. Só da criança, que ri e segue fazendo troça.

O homem, então, vai até a janela. Dá as costas. Acende um cigarro. Respira fundo. Tem a mais absoluta certeza que tomou a decisão errada. A mulher finge que não se incomoda com a fumaça. Recolhe os pratos e a tolha de mesa. Eles sabem que é tarde demais.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

"O Fracasso Não Me Subiu a Cabeça" *

- Uma pena o diretor não poder te atender.
- É, uma pena mesmo.
- Então, você tem interesse em participar da Feira do Livro de nossa cidade?
- Sim, percorri mais de 70 quilômetros pra isso.
- E o seu livro é infantil, infanto-juvenil ou ensino médio?
- Como assim?
- Qual desses públicos você acha que ele pode se encaixar?
- Tirando os palavrões, a violência explícita e um personagem que tem um pau de trinta centímetros, acho que dá para dizer que é ensino médio...

Ela levantou os olhos para me olhar. Eu estava ali, com uma cara normal. Normal quer dizer que não sorria, não mentia. Olhou ao redor. Parecia procurar algo. Suas colegas, todas legítimas professorinhas de interior, com seus vestidinhos de renda, não sugeriram nada, nenhuma alternativa. Simplesmente, baixaram a cabeça e retornaram a seus afazeres.

- Tá bom... Vou colocar ensino médio na ficha, então. Deixa teus contatos aqui, por favor, e retornaremos.

Depois disso, nos despedimos. Quando saí da secretaria de educação, o tempo estava mais quente. Talvez, uns 30 graus. Seria uma longa viagem de volta.


* O título é uma homenagem a célebre frase de Paulo César Pereio.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Um Elogio

- A história do teu livro parece com a daqueles livros que tem nos sebos, sabe?
- Aham, sei - respondi.

Acho que dá pra considerar um elogio...

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Um Flit Paralisante Qualquer

Eu tinha que estar ouvindo as notícias. Estar por dentro das novidades. Mas, volta e meia, eu desisto de jogar o jogo. E coloco um disco velho do Barão pra tocar. “É mais uma fuga”, você diria, se estivesse aqui.

A cidade está em chamas. E eu continuo perdendo um tempo danado longe de você...



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

No Fundo, É Pra Agradar Mesmo...

- Não estou nem aí para os outros, para a crítica. Escrevo pra mim. Se gostarem tudo bem, se não gostarem que se foda.
- Sei...
- Eu já te disse que não escrevo para agradar ninguém!
- Então, por que você publica? Por que você tem blog, facebook e essas coisas na internet?
- É... Talvez, eu queira agradar.
- Claro, que você quer agradar! Você é um merda e escrever é única maneira de você achar que é um super herói.
- E não sou?
- Pode até ser... Tem um monte de super herói que não serve pra nada por aí.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A Cena Literária de Porto Alegre

Basta passar os olhos por qualquer premiação literária, que você verá escritores de Porto Alegre: Portugal Telecom, Jabuti, Revista Granta... E em todos os gêneros possíveis. E não são poucos concorrendo! A literatura produzida aqui tem visibilidade, tem infraestrutura, tem público e, obviamente, tem qualidade. Há uma cena cultural autossustentável, com eventos, feiras e cobertura midiática.

Mas também há um perfil comum a maioria desses escritores. O que é curioso em uma capital que se diz, e se vende como, intelectualizada. Uma olhada mais atenta e é possível perceber as peculiaridades de nossos escritores mais conhecidos. Todos os jovens autores, por exemplo, passaram por oficinas literárias (existem aos montes e já se tornaram quase obrigatórias), estas ministradas por escritores mais tarimbados no mercado, como Carpinejar, Assis Brasil, Cintia Moscovich, entre outros. O escritor “recém-formado”, portanto, recebe um carimbo de seu tutor (que também se promove com isso, obviamente), atestando a qualidade e o potencial do pupilo. Em muitos casos, talvez a maioria deles, justificadamente.

As editoras, cientes desta indicação qualificada, publicam as promessas. E assim, nasce um “jovem autor” em Porto Alegre. Terão outras etapas cruciais para o jovem autor se dar bem. Mas, antes, existe um outro fator relevante para compreender esse processo. Os “autores velhos”, os tais tarimbados que ministram oficinas, em sua imensa maioria, estão atrelados ao jornal Zero Hora, que é do Grupo RBS, este afiliado a Rede Globo. E aí está a segunda curiosidade: todos possuem espaços de opinião no principal jornal da cidade, com colunas fixas ou artigos no Segundo Caderno (espaço cultural). Aí, que o círculo se fecha. Um, o jovem, começa com a bênção do outro, o velho, que se mantém vivo na cena porque apresenta seus iniciados ao mundo. E a roda segue girando... No fundo, não há problema algum nisso. Todas as cenas culturais se constroem mais ou menos dessa forma. É o que, popularmente, chamam de “panelinha”, um grupo restrito e formado só por amigos.

O que é preocupante são os outros veículos, os concorrentes da Zero Hora. Estes, de forma bizarra, são pautados pela ZH! É impressionante. Uma ação sem cabimento, nem noção: divulgar, ou reforçar, o que o líder de audiência publica. O resultado é que os autores carimbados que tem espaço na ZH, inevitavelmente, terão repercussão na concorrência. E assim a cena de uma cidade toda se resume aos indicados por um jornal...

Não esquecendo as próprias políticas públicas que, além de serem raras (as verbas para cultura sempre ficam em último plano), também resvalam, incrivelmente, a esse público cativo. Basta verificar as premiações do município e do estado, ambas, em sua maioria, contam com autores que tem grandes editoras e ampla visibilidade nessa tal cena.

Acaba que, ninguém, nessa indústria cultural toda busca a novidade. A exceção são os autores que dão as tais oficinas, pois estes necessitam no sangue novo para viver. A cena, então, apenas se limita ecoar o discurso de um jornal. O resultado disso, é a percepção, principalmente em quem gosta de livros, que os autores ausentes desse processo midiático, não existem. Aquela coisa de buscar o novo, o diferente, o exclusivo, que sempre alimentou os jornalistas e os cadernos culturais, não existe em Porto Alegre. Essa uma triste constatação.

Um Domingo


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Todo o Curso de uma Vida


"Tudo aquilo que ela precisava era da certeza do amor dele, e da sua garantia que não havia pressa, pois tinham a vida pela frente. Amor e paciência – se pelo menos ele tivesse conhecido ambos ao mesmo tempo – certamente os teriam ajudado a vencer as dificuldades. E que dizer das crianças que poderiam ter tido, e da menininha com um arco no cabelo que poderia ter se tornado sua filha querida? É assim que todo o curso da uma vida pode ser desviado – por não se fazer nada".

Esse trecho de Na Praia (2007, Companhia das Letras), do Ian McEwan, diz muito sobre o que é a obra. Uma belo livro. Tocante, singelo, melancólico. Um retrato da vida a dois, dos medos e desejos contidos. De tudo que trazemos conosco. De tudo que esperamos fazer e, muitas vezes, não fazemos. Se passa na época de 60, mas é apavorantemente atual. Depois de ler, fica aquele gosto de que as histórias de um casal não mudam. Por mais que passem os anos, mantemos as mesmas dúvidas e receios. E acabamos ficando sempre com aquela sensação de nunca sair do lugar. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Dentro do Fusca Ocre Marajó

Lembro de meus pais enfurecidos um com o outro. Enquanto o Fusca 74, de cor ocre marajó, segundo os documentos do veículo, circulava pelo Centro. Estava quente naquele dia. Discutiam aos berros. Poderia ser algo relativo a escolher um trajeto equivocado. Ou algo mais pessoal, sobre as chatices, teimosias e costumes, que nunca mudavam. Não adiantava mais tentar, nunca mudavam, diziam. A maldita sapiência de meu pai, que se mostrava sempre certo diante de tudo, ou o fato de minha mãe sempre esquecer de anotar as tarefas e, consequentemente, deixar de fazê-las, esses eram os tópicos recorrentes de seus acalorados debates pessoais. 

Sinceramente, eu não me recordo a razão daquela troca de insultos, daquela brutalidade entre duas pessoas que juraram se amar para sempre, em dezembro de 1979. O certo é que eu estava no banco detrás do Fusca, balançando minhas perninhas, que não tocavam o assoalho ainda, e no rádio do carro, um equipamento modelo Bosch, com botões de borracha para sintonizar e controlar o volume, estava tocando Eternal Flame. Uma canção tristíssima, com uma melodia frágil, onde uma mulher, com uma voz doce e pueril, fala de suas dúvidas relativas a um amor não correspondido.

Mesmo sendo uma criança, achei aquilo tudo muito triste. Aquela música, aqueles gritos. Os dois quase se agredindo fisicamente. A vida era estranha. E eu não entendia bem porque...




segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Luzes

Não acontece nada. Você finge que tá tudo movimentado a sua volta. Mas não é bem assim. Há um barulho oco na parede de suas costelas. Sinta. Não é surpreendente?! É a verdade, aquela absoluta que você tanto caçava nos tempos de ginásio, palpitando, tentando revelar o sentido... Tentando despejar, de uma vez por todas, a razão. Você não sabe o que dizer, agora. Simplesmente, não acontece nada. O que você pode fazer é bem pouco. Dar uma volta por aí. Admirar a vida. Sorrir para os desajustados. Desviar dos mendigos que reviram o lixo dentro dos contêineres. Você não tem mais pena. O frio lhe consumiu. A crosta maciça dos dias lhe tirou a sensibilidade. Você pode tentar tocar a superfície, se assim quiser, mas sua pele está morta. Você é um animal que não se renova. Você, então, acena um respeitoso boa noite ao vigia e retorna para casa. Por fim, você tranca a porta, com duas voltas de chave, como se tivesse medo de alguém entrar. Já é tarde. E Deus, como disse o pastor, pode desligar as luzes a qualquer momento.



sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Solidões Programadas, Solidões Compartilhadas


A capa do meu livro diz muito sobre ele. Não sei o que levou o Ramiro Furquim, o fotógrafo, a clicar aquele instante. A imagem me bateu e resumiu o sentimento que tenho em relação a nosso tempo. São muitas salas sem ninguém. Um prédio vazio - o mais alto de Porto Alegre, depois fui descobrir. Os pertences estão lá. É quase possível sentir a vida. Entretanto, não há ninguém. É óbvio que ali, naqueles cubículos, existe vida. Mas onde ela está?

Estamos atentos, sempre ligados e em tempo real, mas onde, de fato, estamos? Nossas ações são virtuais. Namoramos pela rede. Compramos e vendemos - eu e meu livro somos um exemplo disso - sem uma relação física sequer. Basta apresentar números e transferir quantias invisíveis. Cada vez mais, interferimos e manipulamos menos o mundo real. Estamos sumindo, mesmo vivos. Como na capa de Virose: onde não há vida, só vestígio dela. Não vemos nossos amigos há meses, mas falamos com eles diariamente. Falamos não! Teclamos com eles. Trocamos palavras. Não sentimos seus cheiros, a aridez da pele, a intensidade da cor de seus olhos. Não medimos seus sorrisos, a força das vozes, tampouco suas dores.

Percebo que uma parte da sociedade, principalmente a que reside nos grandes centro urbanos, concentra-se em grandes solidões. Solidões programadas. Solidões compartilhadas. Mas, volta e meia, a Natureza das coisas se revolta e nos assusta. Como todo fenômeno, acordando-nos de um transe terrível. Daí, saímos às ruas e abraçamos o que existe. Lembramos que há algo lá fora, além de nós e nossa unidade. Há uma proximidade do corpo, do espaço, do tempo, que nos deveria ser natural.

E o mais assustador é que, após esse momento de encontro com a vida, geralmente, não resistimos a tentação - ao vício - e guardamos um frame desse momento para compartilhar. Como se tivessemos que lembrar aos outros que existe algo fora do virtual. Todos estão conectados - via redes, cabos, laços virtuais. E todos estão sós. Se você olhar no entorno, como olhei agora, verá apenas máquinas, equipamentos, mobília... Onde está a pulsação?

Há uma música no ar, mas não há um cantor, nem palco. Há uma cena acontecendo, mas os atores não estão no teatro e, sim, presos a uma tela. Há um poema de amor, mas não há uma folha rabiscada por uma caneta Bic. Não existe nada para se tocar. Nada para ser sentido. Nossas emoções estão presas em um mundo impossível. Um mundo onde nós não existimos.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sobrevivendo Aos Noticiários

Depois de ler o jornal, ouvir as notícias do rádio, assistir ao telejornal, eu, simplesmente, agradeço por estar vivo. É o que me resta.

Que vida terrível nós vivemos em nossos noticiários...

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O Mundo É Feito de Coincidências

Será??
É sempre complicado tentar entender o que ocasiona uma coincidência. Alguns desistem pelo meio do caminho e, simplesmente, resumem tudo a um fenômeno. Outros, afirmam que faz parte do destino. Aquilo está traçado e ponto final. Não se pode fugir. Aliás, se fugir, a fuga também está traçada. Meu Deus...

Eu sinto isso quando leio o jornal. Especificamente, quando passo os olhos nos cadernos culturais. E cada vez mais, fico impressionado com o poder que alguns jornalistas especializados em literatura tem em sincronizar a leitura crítica de uma obra com a agenda do autor ou das editoras. É de cair o queixo a sintonia que existe. É um fenômeno, decerto.

Faz pouco (não vou citar os envolvidos) saiu uma página inteira falando de um livro. Fato normal e elogiável. Só que nessa mesma página já estava o serviço da sessão de autógrafos que, coincidentemente, acontecia no mesmo dia da publicação da matéria que, também coincidentemente, era positiva. Ou seja: falava bem do tal livro. Entenderam?

O jornalista cultural concluiu a leitura de um calhamaço de sei lá quantas páginas, no tempo exato para escrever sobre a história e ainda divulgar o evento de quem a criou. E essa matéria ainda apresentava um complemento de mais duas páginas (então, ao todo, foram três), apresentando outros livros da editora do autor. Incrível! Um fenômeno. Um alinhamento astral absurdo.

Teve um amigo que afirmou que o crítico pode, de fato, não ter lido a obra. Ter lido um resumo apenas, quem sabe. Ou ter só espiado a orelha e rabiscado alguns termos comuns aos especialistas. Não quero crer nisso. Já uma amiga, acredita que o jornalista leu, sim. Mas não consegue explicar a coincidência das agendas. Tudo bem, eu também não consigo.

O estranho é que coincidências como essa não ocorrem com escritores independentes. Com os independentes, o destino e as coincidências esquecem de acontecer...

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A Gente Era Brega e Não Sabia

Solado perfeito para colar todo o tipo de porcaria
Tava almoçando no Garajão e vi um cara com aquelas jaquetas falsificadas de times de futebol americanos dos anos 90. O azul, desbotado. E a manga, que era pra ser branca, bege. Sei lá que time era... Respeitei.

Aquilo era uma febre. Eu tinha duas: uma preta com vermelha e outra verde com laranja. Se nunca jogamos o futebol deles e sequer assistíamos as partidas, como, então, vieram parar tantas jaquetas em nossas terras? Um mistério, um mistério... A febre das jaquetas era tão grande quanto a dos bonés abas retas, que para serem originais tinham que ter tantas linhas (segundo, meu amigo Thalles, eram oito linhas...). Que modinha tenebrosa!

E pra fechar ainda tinham aqueles sapatinhos estranhos de camurça, com seus solados colantes. Eu usava com meia de futebol e bermudão! Meu Deus...

A gente era brega e não sabia!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os Mega-Sellers e Eu

Sempre tive bronca de best-sellers (até a palavra me incomoda). É gratuito, é birra. Até com filmes, sou assim. Não vi (e não verei) Titanic, Avatar e afins. Mas agora surgiram os mega-sellers, livros que já saem com tiragens de mais de 500 mil. E, pasmem, estou falando do Brasil que, segundo dizem, é um país que lê pouco. Será que lemos pouco? Bom, isso é outra história...

Um exemplo disso, é o 1889, livro de Laurentino Gomes, que terá tiragem inicial de 200 mil (Globo Livros), segundo matéria publicada em Zero Hora. Também tem os 50 Tons de Cinza... Fico com o pé atrás com essa gana das editoras, essa forçação de barra. Afinal, dá para perceber quando um sucesso não é natural. Basta você ir a uma livraria de médio ou grande porte que entenderá o que digo: a bendita estante dos mais vendidos. Todas, curiosamente, tomadas pelos mesmos títulos.

Enfim, nada contra 1889. Pode ser uma ótima leitura, mas vou passar (assim como passei os Tons de Cinza, A Cabana, Caçador de Pipas, etc). Prefiro apostar no novo ou ainda na boa e velha indicação de um amigo.

-

P.s: Mas pra quem não consegue ficar longe de um best-seller, indico a compilação Toda a Poesia, do Leminski. Quem diria que o Leminski (e poesia!) estaria nos mais vendidos...

-

P.s 2: Descobri que um tal de Ruy Castro também falou sobre isso, hehe. Nesse link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0903200905.htm

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Sombras


Éramos apenas seres isolados
Ilhas de fantasia
Rodeados pelo pó das paredes
Ressecados por memórias
E sedes insaciáveis

Agora

Estamos todos juntos
Unidos por um fio
Uma lâmina virtual

Nossa solidão é compartilhada
Nossa solidão se desprende pelo mundo
Pelos cabos
Pelas fibras ópticas

Mas seguimos com ela
Falsamente completos pelo outro

Outro

Este, que não existe
Que não passa de uma sombra
Que julgamos estar viva.

(Lucas Barroso)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Até

Nós temos que viver com a perda e
talvez jogar com uma mão de cartas

ruim

e

nós sabemos o tempo todo qual é o placar.
Nós o suportamos como Hemingway
ou o descartamos como
Camus
mas nós sabemos
nós sabemos.

É assim que funciona e
damos corda no relógio e
esperamos pela

madrugada ou o parque de diversões
um sanduíche ou o
lixeiro.

Nós vivemos com isso e vivemos com isso até
morrermos.

(Charles Bukowski)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Uma Casa em Forma de Cruz

Vista de cima, a casa do artista plástico e pintor, Flávio Scholles, tem o formato de uma cruz. Dizem que é para ficar visível aos extraterrestes. Estive lá em um domingo desses e não perguntei isso a ele, tampouco qualquer coisa. Aliás, tinha um número considerável de pessoas visitando seu espaço e conversando sobre suas obras. Eu fui lá para fazer o que se faz em espaços onde há arte: ver, sentir, tentar entender... 

Scholles tem mais de duas mil pinturas espalhadas pela sua casa. Quase todas à venda. Seu espaço fica localizado no meio de uma estrada, há uns 50km de Porto Alegre, na cidade de Morro Reuter. Deve ser bom viver lá, entre os morros e a natureza, quase no meio do nada. 

Mesmo assim, Scholles é popular e suas obras são atuais. Tem muito de contemporâneo e de cunho social em seus quadros: acesso a moradia, êxodo rural, homossexualidade, entre outros. Pablo Picasso e os cubistas permeiam seus trabalhos, em muitos exemplares dá para perceber a inspiração. Seus traços também remetem a alguns exemplos bem sucedidos de Pop Art. Inclusive, há outros produtos à venda com reprodução das obras, como canecas. 

Antes de conhecer o espaço de Flávio Scholles, achava que ele era um louco ermitão. No sentido pejorativo das palavras. Agora, acredito que sua “loucura” e seu "distanciamento" (foi professor da UFRGS, em Porto Alegre, e largou tudo para viver em Morro Reuter, onde nasceu), não tem nada de pejorativo e, sim, exatamente ao contrário. 

sábado, 27 de julho de 2013

...

- Escrevo porque tenho medo. Escrevo porque não sei guardar segredo.
- Que papo mais de mulherzinha! Achei que você escrevesse porque não tem uma arma. Porque tem vontade, mas não pode matar um homem. Então, nem vou perder tempo com teu livro.
- Mas nem se eu quisesse poderia ter uma arma. É ilegal...
- Eu sei, tudo é ilegal em nossa cidade.

E os dois assim seguiram. Imóveis naquela esquina deserta, consumindo doses acavalares de urros contidos. No céu, uma lua de boca triste clareava alguns restos de lixo e folhas secas. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sergio Faraco Não Escreve Mais


Um dos meus escritores preferidos está vivo. Mora na mesma cidade que eu. E hoje faz 73 anos: Sergio Faraco. Quem me lembrou a data foi o amigo Caco Belmonte. É uma tristeza não conhecê-lo ainda. É uma tristeza maior saber que ele parou de escrever por um período indeterminado, segundo seu blog oficial. A nota saiu em abril deste ano. Além disso, encerrou seu contrato com a Editora LPM. Um baque. Uma lástima, certamente.

Faraco é o maior contista que conheço. Suas histórias, curtas, não entregam o jogo pro leitor. Tudo é personagem, não só "pessoas": vestes, paisagens, vocabulário... E tudo tem um ar melancólico (pelo menos, assim vejo, sinto). Meu primeiro livro dele foi Dama do Bar Nevada, uma seleção de contos. Gostei tanto que procurei outros. Hoje, tenho muitos. Vários em edições pocket, bem baratas. Contos Completos tem que estar na sua estante. Assim como o relato de viagem/diário sentimental, Lágrimas na Chuva, onde ele narra seus dias, entre 1963-65, na então União Soviética.

Há pouco, Phillip Roth também parou. Disse que não tinha nada a acrescentar. "Fiz o melhor que pude, com o que tinha". Será que foi essa razão de Faraco? Por que a vida não encanta, tampouco sensibiliza mais ele? Por que a vida não lhe oferece subsídios para novas histórias? Há algo errado. E não é com Faraco. É com a vida...

(...)

Para quem quiser saber mais, tem uma entrevista bacana dele: http://vimeo.com/49927955

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Virose - à venda


Foto: Thalles Campos/Divulgação

Já está à venda meu primeiro romance, Virose. Só R$ 25 no site das Lojas Singular e Livraria Saraiva (clique nos links). Seria bacana se vocês, que curtem literatura, pudessem ler. E se quiserem opinar depois... Daí, seria demais!

Bom, só posso dizer que é o que amo fazer... Estou faceiro com o resultado. E só pelo carinho que recebi nesse meio tempo, já valeu.

Virose é publicado pela Bartlebee, de Minas Gerais. A edição foi de Daniel Valentim, responsável pela editora. A capa do livro é do fotógrafo Ramiro Furquim, que colabora com diversos veículos e sites de notícias, como Sul21, Globoesporte, entre outros. A orelha foi escrita pelo jornalista cultural Lucas Colombo, do site Mínimo Multiplo, que também colabora com diversas revistas e sites, como Continente Multicultural, Revista da Cultura, Uol, entre outros.

Dentro de alguns dias, o livro também estará disponível em outros locais.

Dois trechos de Virose

"Por fim, os tiras cobriram o corpo. Retiraram as fitas de isolamento do local e conversaram entre eles, talvez agendando um encontro para mais tarde, quem sabe uma cerveja e umas fritas? Cairiam bem, naquela noite fresca. Dentro de algumas horas fotografariam outro defunto baleado ou envenenado. Seus trabalhos banais, como fazer pizza, escrever notícias, pintar quadro, atuar em filmes de ação. Eles estavam acostumados. As pessoas talvez não entendessem. As pessoas, aliás, não entendem muita coisa. Com o desfecho, resolvi entrar na pizzaria vermelha de sangue seco. O pizzaiolo e a caixa mostravam-se desolados. Seria trabalhoso limpar tudo. Seria trabalhoso apagar aquele dia da memória. Não era problema meu. Dei as costas, ainda consegui espiar o carro do Instituto Médico Legal que partia. Não tinha mais nada para ver. Nem para lamentar. Fui para meu apartamento".
Página 26


"O pai maldizia a Deus e a mãe rezava em silêncio. Os vizinhos consolavam as crianças, que não compreendiam o que acontecia ali. Muitos tentavam explicar o que ocorria. Contudo, eles não podiam mais encontrar nenhum sentido para aquele sofrimento, nem culpa nenhuma. Não entendiam como podia Deus, uma força bondosa e justa, levar alguém tão cedo. Qual era o motivo? O que se passava com Ele? Não havia sentido no sofrimento e na morte de uma criança pura. Era o que muitos ali, diante do caixãozinho, pensavam. Todos queriam saber o por quê. E Deus decerto que não poderia ser mau. Então, qual era Seu plano, haja vista que Ele tem um plano para tudo e todos? Ninguém sabia responder, ninguém sequer desconfiava da existência de uma resposta. Teria Deus dado as costas para aquela família pobre? Logo ele, que guiava e vigiava o caminho dos menos afortunados. Era mais fácil e confortável pensar que a criança tenha virado um pedaço de céu azul. E o céu estava, no momento do velório, azul".
Página 86

terça-feira, 23 de julho de 2013

XXXII

Volta e meia sonho com meus dentes se soltando da boca. Um a um, não todos de uma vez. Alguns ficam dependurados. Molares, caninos, incisivos, como pipocas. Sinto suas cavidades, suas texturas. Sinto eles mudar de lugar: da bochecha para debaixo da língua; escorregam pelo céu da boca até a garganta. O mais agoniante é que não os engulo. Tampouco os cuspo fora. Mantenho-os e me mantenho preso a alguma força estranha. Não posso falar, pois, em qualquer tentativa, correria o risco de ingerir diversos deles. E o que seria de mim se os engolisse? Preciso de ajuda. Mas não há ninguém. Estou de olhos fechados, mas tenho a ciência de que não há nenhuma pessoa ao meu redor. Estou fraco aqui onde estou. E onde, afinal, estou? Sei que não é em minha cama, sei que não é um lugar meu. Suo frio, minhas mãos e pés tremem. Estou só, com a boca cheia de dentes soltos.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Elvis Costello, o maior arroz de festa



Ele começou roqueiro (seus três primeiros discos são insuperáveis). Mas ele já foi meloso, e super reconhecido com a balada She. Também andou pelo jazz, blues, country. Tem quase 30 discos gravados, um deles com o maestro Burt Bacharach, e com uma penca de gente. Tem duas bandas (The Imposters e The Attractions) e um programa de TV, além aparições em diversos filmes. Suas músicas estão em trilhas sonoras conhecidas, como a já citada She, de Um Lugar Chamado Notting Hill, e Shipbuilding, do clássico Alta Fidelidade.

Agora, a parceria da vez é com a banda The Roots. E tem disco previsto para setembro. A junção parecia inusitada, mas Costello é o cara. Ele mete a mão e coisa fica boa, não tem jeito.

Separei alguns sons, só o fino:

O clássico Alisson, de 1977: http://www.youtube.com/watch?v=C9GlC9GyF4Y
(I Don't Want To Go To) Chelsea, 1978: http://www.youtube.com/watch?v=61Tp4pOwvFs
Accidents Will Happen, 1979: http://www.youtube.com/watch?v=f9sf7KldClk
Man Out of Time, 1982: http://www.youtube.com/watch?v=J76dprNEOgE
13 Steps Lead Down, 1994: http://www.youtube.com/watch?v=-NUOlQiy4K4

Who's Gonna Save My Soul



Por que preciso de tantas opiniões? Nesse tribunal virtual, não quero julgar nem ser julgado. Já tem gente suficiente jogando esse jogo. Eu estou fora. Estou buscando o fluxo das coisas minhas, dos dias que me perseguem lá fora. Dos dias que me fogem. 

Quero concentrar minha curiosidade e ver o que passou e não percebi. Não quero mais me prender e me perder em um discurso, tampouco distribuir um conhecimento que provavelmente não tenha. Um domingo morno, contigo, é o que eu quero. Sentir aquele momento e guardá-lo. 

Enfim, provar um pedacinho do que, tolamente, chamam de vida...

domingo, 21 de julho de 2013

Uma exposição para se ler


Quem é de, ou está, em Porto Alegre neste inverno, e gosta das letras, uma boa sugestão (quase uma obrigação) é dar uma espiada na exposição da artista plástica Elida Tesller, Gramática Intuitiva, no Museu Iberê Camargo (av. Padre Cacique). Suas peças muito criativas, inventivas e nada presunçosas. A maioria delas dão luz às palavras de uma forma tocante e original, deixando o espectador hipnotizado. Não precisa pagar nada e o Iberê, assim como a orla do Rio Guaíba, é lindo demais.

sábado, 20 de julho de 2013

Por Volta da Meia Noite



Não sei quando comecei a gostar de jazz. Pode ter sido no mesmo momento que comecei a gostar de uísque. Não sei... A verdade é que mesmo gostando do som, não entendo porra nenhuma de jazz. Não sou como o meu xará e amigo, Lucas Colombo, que sabe tudo de datas, notas, dramas, tramas e prazeres dos homens e mulheres que construíram o estilo. O cara é um especialista. Sugiro até a leitura de um artigo dele sobre Chet Baker.

Eu só sinto a música. Eu paro tudo quando ouço um jazz. No máximo, rabisco algumas bobagens. Às vezes, fico com o gato branco em meu colo. Noutras, tomo umazinhas. E só. Deixo o som ir percorrendo, meu corpo, a sala, meus pensamentos tolos... Dia desses, deu na TV a cabo: Por volta da meia noite, de 1986. A trama conta com um saxofonista negro, alcoólatra, velho e nitidamente cansado de lutar contra suas sombras, e um fã branco cheio de esperanças no cara. A maior parte da história, quase toda, se passa em Paris. “Sabe, sua música mudou minha vida”, diz o fã, em um dos momentos mais marcantes. Se puder, veja.

Depois fui ler um pouco sobre e descobri que era tudo tocado mesmo. O tal saxofonista é Dexter Gordon, músico reconhecido (e até concorreu ao Oscar pelo filme!). E o ator francês parece que é consagrado por lá. Recentemente foi protagonista em Os Intocáveis (2011). Mas o melhor é, obviamente, a trilha sonora, composta por Herbie Hancock, que também atua na película como pianista.

Trailer aqui: https://www.youtube.com/watch?v=nRFTIXDV3zM

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Meus livros e nada mais...

Cada vez que olho a minha estante penso em quanta coisa boa me deparei ultimamente. E quanta coisa tenho na fila para ler.Lógico, também tem alguns que deixei pelo caminho (Confraria de Tolos, Joana a Contragosto, A Estratégia de Lilith...). Não sou de forçar a barra, se não deu liga, eu abandono, largo de mão. Talvez, volte a eles outra hora... Mas puxando pela memória (que só presta pra isso!), esses foram os mais marcantes.

  • No Rastro de Chet Baker - Bill Moody (romance policial, recheado de jazz. Não é necessário dizer mais nada)
  • Lágrimas na Chuva - Sérgio Faraco (livraço de memórias do escritor que viveu na Rússia Socialista, na década de 60, vale muito e tem versão pocket pela LPM)
  • Vida - Keith Richards (Autobiografia. Rock passado a limpo e sem frescura)
  • Biografia Carlos Imperial - Denilson Monteiro (história do maior gênio-cascateiro do meio cultural brasileira. Tudo o que o Nelson Motta acha que é)
  • Mulheres - Bukowski (O velho Buk a R$ 5 mangos! Vi numa banca e comprei. Obrigatório!)
  • Sonhos de Bunker Hill - John Fante (a última história do maior de todos os escritores que viviam suas histórias. Aliás, ele inspirou o velho Buk...)
  • Jesus Kid - Lourenço Mutarelli (Peguei pela livraria da Folha, não foi muito fácil de achar. Mas valeu cada linha). 
  • Perdidos na Noite - James Leo Herlihy (roubei da casa de praia de uma amiga! O livro que inspirou o clássico do cinema. Muito bom)
  • Quando as Mulheres Saem pra Dançar - Elmore Leonard (Certamente, o melhor livro de contos que já li, um deles gerou toda a série Justfield).

Quando teus amigos somem

Às vezes, todo mundo sumia. Daí, eu ficava a mercê dos chatos, velhos ou desinformados sobre o itinerário da linha de ônibus. Outra alternativa, que volta e meia me acontecia, era levar um atraque da polícia. Até na luz os porcos não davam descanso. Mas eu estava solito naquela esquina, a mesma de sempre, quando sentou o velho Neno ao meu lado. Todos conheciam o velho Neno. O velho estava com um canivete em punho, uma laranja de umbigo na outra mão e uma sacola a tiracolo, com uma garrafa de 51 dentro. Sentou-se, esticou sua barriga para frente, arregaçou as mangas e, ao invés de chupar, cortou e comeu a laranja em nacos. O rosto, vermelho da tanta cachaça, contorcia em satisfação. Suas rugas pareciam cortes de facão e, a cada mordida, dobravam-se como o fole de uma gaita. 

- E aí, guri?
- Tudo bem com o senhor?
- Mais ou menos. Taria se tivesse a tua idade...
- E quantos anos tem o senhor?
- Oitenta e pouco – mascou mais um naco, quando um filete de suco se perdia da boca, usou a mão para levá-lo de volta. – Te digo que essa história de velhice ser a melhor idade, que tão falando aí na TV, é uma cascata da braba!

Eu não tinha perguntado nada. E decidi por assim fazer dali por diante. Sei como são os velhos. Eles te alugam os ouvidos e só soltam quando cansam.

- Como pode alguém cheio de remédio, de doença, de dor, com os amigo tudo morto, viver na melhor idade? Mas tu ainda não entende. Tu ainda não sabe o que é isso, guri – agora, ele mascaria mais um naco de laranja, porém, titubeou. Voltou-se contra mim, olhando bem na minha cara. – Me diz o que pode ser melhor que a juventude?
- É... – quando eu completaria, dizendo que não fazia a mínima ideia, ele se adiantou.
- Não essa tua juventude que vive em computador, com um telefone dependurado pra lá e pra cá, com a cara se esfregando na televisão. Mas a minha juventude... – Retornou para sua laranja ao perceber que não lhe oferecia resistência, talvez, fosse daqueles que só debatem quando há uma segunda força, uma segunda força contrária a sua. – Ah, mas que esperança! Que que eu tenho que te incomodar com isso...

Ergueu-se num urro, sentindo as juntas e o próprio peso da barriga. Equilibrou-se. Deu as costas e se foi, bem devagar, arrastando os pés na calçada. E nada de meus amigos aparecerem.