quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Série Traduzindo a Música Gauchesca - Do Fundo da Grota

Com a série Traduzindo a Música Gauchesca, pretendo destacar algumas palavras, termos e versos de clássicos do cancioneiro Rio Grande do Sul. A fonte de pesquisa para explicá-los são dicionários voltados a esmiuçar essa língua falada no sul do país. A primeira canção a ser vertida para o português mais formal é Do Fundo da Grota, que foi composta e gravada por Baitaca (nome artístico de Antônio César Pereira Jacques), em 2002, no disco Meu Rio Grande é Deste Jeito.

Aliás, baitaca é o mesmo que maitaca, um tipo de ave, da família do papagaio. Um outro significado possível é pessoa faladeira, tagarela.

A música

Do Fundo da Grota

Fui criado na campanha / Em rancho de barro e capim / Por isso é que eu canto assim / Pra relembrar meu passado / Eu me criei arremendado / Dormindo pelos galpão / Perto de um fogo de chão / Com os cabelo enfumaçado

Refrão:

Quando rompe a estrela d'alva / Aquento a chaleira já quase no clariá o dia / Meu pingo de arreio relincha na estrevaria / Enquanto uma saracura / Vai cantando empoleirada / Escuto o grito do sorro / E lá do piquete relincha o potro tordilho / Na boca da noite me aparece um zorrilho / Vem mijar perto de casa / Pra inticá com a guapecada

Numa cama de pelego / Me acordo de madrugada / Escuto uma mão-pelada / Acoando no banhadal / Eu me criei xucro e bagual / Honrando o sistema antigo / Comendo feijão mexido / Com pouca graxa e sem sal

Refrão

Reformando um alambrado / Na beira de um corredor / No cabo de um socador / Com as mão rodeada de calo / No meu mango eu dou estalo / E sigo a minha campereada / E uma perdiz ressabiada / Voa e me espanta o cavalo

Refrão

Lá no santo do capão / O subiar de um nambú / Numa trincheira o jacú / Grita o sabiá nas pitanga / E bem na costa da sanga / Berra a vaca e o bezerro / No barulho dos cincerro / Eu encontro os bois de canga

Refrão e fim

A tradução

Banhadal – Banhado grande, terreno alagadiço.

Cama de pelego – cama improvisada no chão, utilizando a pele de carneiro ou de ovelha, com a lã natural.

Campanha – Zona de campo, apropriada à criação de gado. Local distante da cidade; interior.

Cincerro – Campainha grande que se pendura ao pescoço de determinados animais para fins de condução ou manejo.

Estrela D’Alva – É como também é conhecido o planeta Vênus. Porém, no contexto da música, imagina-se que o autor esteja afirmando que a noite está acabando e, por obvio, o dia raiando.

Guapecada – o mesmo que guaipecada. Guaipeca é um cão pequeno, cusco. Um cãozinho ordinário, vira-lata, sem raça definida.

Mango – Punho, empunhadura ou cabo de um relho ou de um facão.

Pingo – Cavalo de montaria.

Piquete – Nas estâncias, espaço cercado, próximo das casas, usado para prender e manejar animais de serviço diário.

Potro tordilho – Potro é um cavalo novo ou não, ainda xucro ou com apenas alguns galopes. Já tordilho se refere a cor da pelagem do animal, que é predominantemente branca, salpicada de pontos pretos.

Xucro e bagual – Ambos se referem a equino selvagens, ainda não domados. Há diferenças. Bagual é arisco, abrutalhado, rude, grosseiro, bravio, bonito, vistoso, indômito, muito grande. Pode ser usado tanto no sentido pejorativo como elevado. Já xucro, no caso de uma pessoa, está mais para alguém sem trato social. Diferente de bagual, não cabe como elogio.

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Bibliografia usada como fonte de consulta para a série: Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul (Zeno e Rui Cardoso Nunes), Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense (Aldyr Garcia Schlee), Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa (João Gomes da Siveira), Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta (Alberto Villas), Aves Silvestres do Rio Grande do Sul (W. Belton e J. Dunning), Contos Escolhidos (Cyro Martins; glossário organizado por Aldyr Garcia Schlee), Wikipédia e consultas na internet diversas. 

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