quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Como o Destino Pode Ser Engraçado


Não tem plateia

Não tem circo

Só existe o palhaço


Um homem maquiado 

Que se julga obstinado 

E ri diante do espelho


sábado, 19 de dezembro de 2020

O Som do Silêncio - Filme



Eu queria saber, todas as manhãs que passou naquele quarto, sentado, você teve algum momento de quietude? Porque você está certo. O mundo continua a girar e pode ser um lugar muito cruel. Mas para mim, esses momentos de quietude, esse lugar, esse é o Reino de Deus. E esse lugar nunca vai abandonar você. 

O Som do Silêncio (2020). 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Amor de Mãe - Conto


Teve uma vez que um cliente pagou o programa com tíquete alimentação. Era lá pelo dia cinco do mês. O maço do cara, Ticket Alimentação, nem tava usado. Destacou os papeizinhos. Aceita no Zaffari? Aceita. Tem certeza? Claro, bota em fé em mim, mulher. E assim foi. Ela fez um ranchinho de cento e cinquenta conto. Chocolate pro guri. Um ovo com brinquedo dentro. Ele ficou o dia todo em função daquilo. Veio um macaquinho no brinde surpresa. Cacaco, mamãe! UU AA! É assim que faz o macaco, filho? É. UU AA! E pulava igualzinho. A vó ria. A velha ganhou aquelas bolachas que vêm numa lata. Produto importado. No fim, os tíquetes vieram a calhar. Se fosse dinheiro, uma boa parte ia pro pó. A noite pede um pó. Todo mundo na boate cheira. A grana que vem, vai rápido. Muito rápido. E tem outra: sempre pintam uns clientes com uns pinos. E dê-lhe raio! Olho de sapo. Garganta seca. Daí, dependendo, o programa sai de graça. Um dia, a gurizada tava pela maldade. Vieram de turma. Coparam o inferninho. Farinhada. Aquele entra e sai do banheiro. Pintou um apartamento de alguém. Proposta indecente. Não podia sair do bordel. Ia se incomodar, mas valia a incomodação. Foi. Uísque. Vodca. Cerveja. Pizza. Gaitada. Som alto. Quando viu, tinha uns quatro em cima. Aquele brilho na cabeça. Deu vontade. Azar. Foi. A gurizada não se aguenta. Na real, se for botar na ponta do lápis, não vale a putaria. Até é bom. Mas demora demais. Não gozam nunca. Pagam de super-herói. Uns com a pílula azul no sangue. E assim aconteceu. Ainda quatro em cima. Um tentou atrás. Desajeitado. Na força bruta. Sem conversa. E a foda tava ruim. Sai fora, otário! Deixa... Aí, não! Que que tu quer?! Já disse que aí, não! Vai te fazer? Vou! Deu pra vocês... Nessa ladaia, ela pulou. Se desvencilhou e meteu uma roupa. Não achava a saia e a calcinha. No pavor, se cobriu com o lençol. Dois vazaram. Tinha muita mulher. Ficar ali, naquela pilha fraca, não era. O que tava no bem-bom, ficou de cara. Porra, mina! Quero gozar! Olha aqui meu estado. A culpa é do teu amigo aí. Eu não tenho nada a ver. Já era. O que queria atrás, de pau ainda duro, olhava o teatro com nojo. Que palhaçada! Palhaçada nada. Tá aqui, na putaria, e quer o quê? Falei que atrás não! Ah, para! Baita puta e se fazendo... Só podia ser nego mesmo. Por isso, não gosto de fuder com nego. E tu é branca por acaso? Nego que nem tu, eu não sou. Terminou de falar e sentiu o tapa. Mão espalmada. Estalo. Com o solavanco, caiu. O amigo segurou o preto. Senão, ia não ser bem pior. Lá, tu não pisa mais, otário! Saiu esbravejando. Cara avermelhada. Choro preso. Fissura do pó. Eu marquei a tua cara, otário! Vou te dedurar pro segurança. É... Aquela gurizada ia se complicar. Leão-de-chacará. Polícia das antiga. Sabia fazer e fazia bem feito. Sabia, se fosse necessário, ser bandido duas vezes. No caminho, dentro do táxi, se acalmou. Não era a primeira, nem a última dessas. Foda-se. Não podia voltar pro puteiro. Amigo, esquece. Toca agora pro São Sebastião, rua Ministro de Oliveira Lima. Onde fica isso? Conhece o Lindoia. Sei. É do lado. Não tinha sono. Não tinha raiva. Não tinha assunto. O pó ainda na mente. Só ruas desertas. Só aquele pretume de sempre. Chofer calado. Homem velho. Curtido. Deu quinze reais, moça. Não tenho dinheiro. Como não tem? Achei que tinha e não tenho. Vai na tua casa, pega. Eu espero aqui. Não posso, moro com a minha mãe, não posso acordar ela agora. E como vamos resolver? Eu não tenho a noite toda. Sabia o que tinha que fazer. E fazia bem feito. Começou a função. O taxista não conseguia finalizar. Se amoleceu. Pediu que botasse o dedo atrás. O velho se ajeitou no banco. Deu espaço. Meteu um dedo. Meteu dois. E ele se acabou. Boca cheia. Cuspiu nos paralelepípedos sujos. Se limpou melhor e entrou. Tentou não fazer barulho. Primeiro, foi olhar o guri que dormia. Na luz fraca, uma brecha da persiana, apenas o bico se mexia na boca. Subia e descia, junto da respiração. Depois, abriu a geladeira. Uma sombra. A velha tava na cozinha. Tem café passado na térmica. Eu sei. Por que veio mais cedo? Tem noite que não vale a pena, mãe. E essa cara? Acontece. Vou pegar um gelo pra ti. Deixa, mãe. Eu pego. Vai dormir. Vou, mas aproveita e vai dormir também. Vou ficar mais um tempo, comer um pão, ver uma tv. Tá bem, filha. Boa noite! Boa noite, mãe! Bateção de obra na vizinhança. Sempre tem uma porra de uma obra. Não sabia a hora. Não viu o gurizinho ser levado pra creche. Não viu a mãe sair pro trabalho. Dia seco. Sem o frescor da noite. O Sol, assim de supetão, chegava a doer na cabeça. Saiu. Centro. Avenida Salgado Filho. Edifício comercial. De dia também tinha negócio. No intervalo dos seus trabalhos, muitos homens iam ali. Programas rápidos. Sem papo-furado. Hoje, tava ruim. Ruim sim, mas sempre tem um pó. Pouco. Buchinha. A amiga deu. Deu nada. Ia cobrar depois. Vagabunda. Coisa ruim. Fura-olho do caralho. Quem presta? Impaciente. Vazou. Partiu pro plano B. Cine Apollo. Fim de linha. Mas azar. Às vezes, dava jogo. Não dessa vez. Só pederasta. Só putão. Meia dúzia, na real. Encostou no Gerente. Tem um pó aí? Não tenho filha desse tamanho. Bah, tá assim, é? Tu sabe como conseguir. Te vira. Aguentou o desaforo. O filho da puta gerenciava uns dez inferninhos. Gerente... Um baita cu de cachorro! Isso sim. Se foi pra Praça XV. Tá e aí? Estamos aí, né. Que tu quer? Pastel, cachorro, sei lá... Traz alguma coisa. Trouxe e se sentou junto. Tá foda, parceiro. Tá nada. Tu que faz drama. Faço nada. É a real. Tá bom, sete e quinze sai o Pinheiro. Vamos lá pra casa? Riu. Que tá rindo? De graça, tu sabe que não vou, benzinho. Se levantou. Fez beiço. Tu vai se morder comigo? Não quero papo de amigo, pô. Então, tá. Deu um beijo nele e foi. Desistiu de pedir um troco emprestado pra matar a fissura. Ficou sem jeito. Homem é tudo trouxa. A fonte tava seca e o Sol começava a baixar. Dia ruim. Tem dia que é noite, diz o ditado. Chegou cedo na boate. Botou meia-calça. Preparava a maquiagem. Caiu da cama é? Aham. Tu viu que mataram um cara no Carrefour ontem? Qual Carrefour? O do Viaduto Obirici. Por quê? Sei lá. Os seguranças espancaram o cara. Alguma coisa ele deve ter feito. Pois é. E teu guri? Que que tem? Conseguiu comprar os óculos? Ah, comprei, sim. Tadinho. Tão cedo e ter que usar óculos. Peguei um bom. Dei o dinheiro pra minha mãe comprar. Ainda não vi se deu certo. Mas a mãe disse que ficou certinho no rostinho dele. E ontem? Que que tem ontem? Tu saiu e não voltou. Vai te incomodar. Azar. Se eles me encherem o saco, eu saio fora. Sei... Queria um pó. Tem aí? Não. Mas vai chegar. Sabe o Décio? Aquele altão moreno? Isso. Se apegou de um jeito... Risos. Diz que vem me ver hoje e vai me trazer. Risos. Homem é tudo trouxa mesmo. Tic tac nervoso. Foi pro salão. Puxou a fila. Vontade enorme de dar um teco. Movimento fraco. Queria o quê? Horário de novela. Uma mulher entra. Garçom atende. Conversa comprida. Garçom faz sinal. A situação era a seguinte: queria um programa para o filho. Não faço com menor. Ele não é menor. É que é assim ó... E contou a mesma história que relatou pro garçom. E completou dizendo que pagaria um extra de cem conto se desse tudo certo. Ok. Topou. A própria mãe subiu junto. Deixou o filho na porta do quarto. Tchau, mamãe! Tchau! Fica aí com a moça que a mãe já volta. Antes de fechar a porta, pediu confiança. Por favor, se der algo errado, me liga. Certo, pode deixar. Ele tinha 25 anos, segundo a mãe. Gordinho. Barba rala. Cabelo ensebado. Estava sentado na cama redonda. Tinha síndrome de down e olhava admirado o globo no teto. Que legal isso! Tu gostou? Aham, muito. Ela, então, ligou. As luzes coloridas em profusão. Aquele movimento todo. Nossa! Parece uma festa. Sabia que eu já fui numa festa? Se levantou e tentou tocar. Se desequilibrou. Rápido, ela o segurou. Eu quase caí. Tu que me salvou, moça. Aham, eu te salvei. Eu ia bater com a cabeça no chão. Sabia que já bati com a cabeça no chão? Doeu muito, moça. E onde foi que tu bateu? Aqui atrás, ó. Ela passou a mão na nuca e seguiu pelas costas. Ai, ai, coceguinha, moça. Tu tem namorada? Eu não! O pai disse que mulher não vale nada. Nunca teve? Tive só a Marília. E como foi? Ela não gostava de mim e tinha outro namorado. Seguiu a conversa infrutífera até perguntar se ele já tinha visto uma mulher sem roupa. Eu já vi a minha mãe e a Taís. Quem é a Taís? Taís é minha prima por parte de pai. Tirou a roupa. A Taís era assim? Ele enrubesceu. O programa continuou com pega-pega e muita brincadeira de cócegas. Na metade do tempo previsto, ligou para a mãe do rapaz e informou que tinha dado tudo certo. Graças a Deus! E o que eu faço agora? Espera que tô indo aí pra buscar ele. Se despediu e agradeceu bastante. Voltou pro salão. Não aconteceria mais nada naquela noite. A fissura milagrosamente havia passado. Inventou uma dor de cabeça. Avisou o pessoal. Já é a segunda noite seguida que tu sai assim. Eu sei. Tu vai te incomodar. Cagou pra advertência. Juntou as coisas. Vazou. Pegou um taxi e foi pra casa. Dessa vez, seu filho estaria acordado e eles iriam se ver. 


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Agradeço ao amigo Caco Belmonte (escritor, ghost writer, jornalista) pelas sugestões valiosas na edição do texto.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

O Tempo Já Não Importa na Quatro Cinco Um


O Tempo Já Não Importa na edição de outubro da revista Quatro Cinco Um. Uma das boas publicações brasileiras com foco na Literatura. 

https://quatrocincoum.folha.uol.com.br/br/listao/poesia

Fui Criado Pela TV

Fui criado pela TV. Essa é a real. Família pequena. Pessoal tinha que correr atrás. Escola de manhã. Primeiro grau, Ana Neri. Segundo grau, José Cândido de Godói. Requenta um rango no almoço. Tinha até pizza de 1.99. Vinha numa bandeja de isopor. Troço ruim. Depois, rua e TV. Liberdade impensável hoje. 

Mas como disse. Fui criado pela TV. Cine Privé, lógico. Emanuelle, que Deus a tenha. Sempre viva aqui. E MTV. Uma Semp Toshiba branca 10 polegadas. Um inferno pra fazer pegar o UHF. Canal 24. Vira antena pra janela. Arrodeia o miolo do botão. Chuvisco. Tenta bombril. Tapa de leve em cima pra estabilizar a imagem. Também tinha aquela tv + rádio. Imagem preto e branca. UHF acoplado facilitava. Era foda de ver. Mas via. 

Era música direto. Video clipe. O mundo tava ali. Que loucura! Lado B. Fúria Metal. Clássicos. Yo Rap. Etc etc. Outro tempo. Thunder fala disso aí. 30 anos de MTV. Nunca mais. Quem viu, viu. O relato dele começa eufórico. Vai ficando triste. Deprê. E termina assim. 

Porque já era. O mundo adulto é esse monte de saudade reunida. De vez em quando, a gente lembra. Puta que pariu.



terça-feira, 13 de outubro de 2020

Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão*


Com dois anos e meio, a pessoa começa a ter vontade própria. Hoje, meu filho escolheu a roupa, uma camiseta do Homem-Aranha, e pediu para ir pra praia. Mas praia não há em Porto Alegre.

- Pode ser ir pra rua? – perguntei.

- Rua!

E saímos. Já na primeira quadra, o mesmo mendigo de sempre. Sentado. Sentado não, escorado. Completamente bêbado. O guri breca e dá oi. O mendigo retribui e comenta que o tempo está bom para um passeio. Ambos dão risada e falam coisas meio incompreensíveis. Eu dou um leve empurrãozinho em meu filho, que entende o sinal e acena com um tchau para o mendigo.

- Tchau pra ti também, amiguinho! Pô, tu foi a primeira pessoa que me cumprimentou hoje.

São 13h30. O sol a pino. Duas quadras pra frente, meu filho pede colo. Quer voltar pra casa. Tem fome e quer um chocolate, porque com dois anos e meio a pessoa começa a ter vontade própria.

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*O título faz menção ao clássico Bola de meia, bola de gude 

domingo, 27 de setembro de 2020

Flannery O’Connor – Sobre a Autora


Flannery O’Connor nasceu em Savannah, cidade do estado americano da Geórgia, em 25 de março de 1925. Criada no seio de uma família católica, não saiu de sua cidade natal até sua adolescência, quando perdeu o pai para o lúpus, mesma enfermidade que, em 3 de agosto de 1964, tiraria sua própria vida.

Tendo se formado em Ciências Sociais pelo Georgia State College for Women, onde atuou como editora de dois periódicos – uma revista dedicada à literatura e outra, às artes –, Flannery conseguiu, em 1946, vaga na célebre Oficina de Escrita Criativa da Universidade de Iowa. Neste mesmo ano, teve publicado seu primeiro trabalho: o conto “O gerânio”. No entanto, embora Flannery viesse a ser reconhecida como uma das principais contistas da literatura americana, seu primeiro livro foi um romance: Sangue sábio, de 1952. A ele seguiram-se o célebre Um homem bom é difícil de encontrar, coletânea de contos de 1955, e o romance O céu é dos violentos, de 1960. Em 1965, publicou-se ainda um volume póstumo de contos inéditos: Tudo o que sobe deve convergir. Também vieram a público, após o falecimento da autora, suas cartas, algumas de suas críticas literárias, outros texto em prosa e seu diário de orações. 

Um dos expoentes do chamado “gótico sulista”, Flannery retrata em suas obras a decadência do Sul americano, as complexidades da relação entre homem e Deus e a aridez dos tempos modernos, bem como a tendência do homem à brutalidade e à perversidade num mundo necessitado da graça divina. No entanto, mescla a tudo isso certos traços grotescos e excêntricos, mas também dotados de um humor peculiar. Curiosamente, a mistura de elementos tão incomuns fez com que fosse conhecida por seu... realismo. Um realismo todo seu, é bem verdade. 

Quando confinada a um leito de hospital, poucos dias antes de morrer de lúpus, Flannery ainda se dedicava a revisar e modificar seus originais. A cena serve como ótimo exemplo do quanto Flannery dava de si à literatura, e isso o leitor não deixará de percebê-lo nas páginas de suas obras.     


terça-feira, 25 de agosto de 2020

O Caso Flordelis - Maior Que a Ficção


Flordelis tem quatro filhos biológicos e outros três adotados da "primeira geração" que faziam parte da "elite dos filhos". Estes tinham acesso a uma geladeira com  tudo do melhor, enquanto os demais 40 e tantos dormiam em quartos coletivos e comiam pão seco, massa e salsicha. Anderson, o marido morto, era um dos primeiros adotados. Durante um tempo ele namorou uma filha biológica da Flordelis, então, ele era filho e genro ao mesmo tempo e, depois, se tornou marido, enquanto ela foi mãe, sogra e esposa da mesma pessoa. E da filha, ele foi irmão, namorado e, depois, padrasto. Fora isso, Flordelis costumava frequentar uma casa de swing, onde teria um quarto exclusivo para participar de surubas com a filha, ex do marido, o marido e o marido da filha. Tá confuso? Mas tem mais, segundo um dos filhos, quando adotado foi trancado em um quarto para se purificar, enquanto a mãe adotiva o visitava para domá-lo sexualmente, dias e dias de sexo. Depois de aceito, em um ritual secreto, o pastor Anderson, o assassinado, se apresentava pelado e fazia com que os iniciados cortassem a mão e, com sangue, escrevessem trechos dos Salmos. Mas não acabou ainda, não. Anderson pedia permissão para também fazer sexo com os recém adotados. Quando de visitas de pastores de outros países, o casal oferecia uma das filhas para o prazer sexual como bons anfitriões. Flordelis teria tentado matar o Anderson oito vezes, envenenando sua comida (ele é ruim de morrer, teria dito um a das filhas), por conta do controle financeiro da igreja que fundaram, que tem o sugestivo nome de Cidade do Fogo. Anderson estaria cortando regalias da elite dos filhos e, estes, em associação com Flordelis, arquitetaram seu assassinato com mais de trinta tiros, a maioria parte na região pélvica da vítima. Agora sim temos um roteiro para uma série de fanatismo, horror e violência, proibida para menores. Nem Pasolini conseguiria filmar isso daí. 

Texto de Marcelo Benvenutti

domingo, 23 de agosto de 2020

Poema das Crianças*

 

O bebê de um ano e onze meses morto a pauladas pelo pai,

As dez crianças mortas pelo vigia que ateou fogo na creche, 

O menino assassinado pela polícia dentro casa com setenta e um tiros disparados a esmo,

O garoto estrangulado pela mãe,

O garoto empalado pelo homem desconhecido,

A menina alvejada pela facção rival do pai, 

A recém-nascida morta pela mãe, guardada em uma sacola plástica e descartada no container de lixo orgânico, 

O garoto que vendia rapadura na rua, morto com a promessa de que teria todos doces comprados se fosse a casa do assassino,

O menino que recebeu a injeção letal a mando do pai,

O menino arrastado por sete quilômetros do lado de fora de um carro por assaltantes, 

A menina atirada da janela do sexto andar pelo pai e a madrasta, 

O bebê de duas semanas que foi esquartejado e teve partes do corpo comida por cães, 

O menino assassinado com dois tiros no rosto antes do pedido de resgate,

O menino com síndrome de down morto com água fervente pela mãe,

A menina estuprada e que teve o corpo sem vida jogado no telhado pelo vizinho,

As duas crianças mortas em um ritual e que até hoje não foram identificadas, 

O menino assassinado com uma facada no pescoço pelo pai que tinha ciúmes da mãe,

O pequeno sírio que morreu afogado fugindo guerra e foi encontrado de bruços na beira da praia,

O bebê de noves meses morto de fome e desidratação pela mãe que o deixou por sete dias em um carrinho e saiu de casa,

E o feto de cinco meses abortado de uma menina de 10 anos que era estuprada pelo tio


Não se tornaram pessoas más,

Porque a sociedade 

Não os corrompeu.

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*Poema inédito. Escrito em agosto de 2020. 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Morte ao voto útil! - Crônica de Charb

 

Os períodos de eleições são particularmente propícios à caça aos idiotas. Não que o número deles aumente nessas épocas, eles simplesmente saem mais da toca. Basta conversar um pouco, e não vão conseguir deixar de dizer algo que os denuncie. Por exemplo: “É preciso optar pelo voto útil”. Ou: “Desta vez, vou votar útil”. Não resta dúvida: você tem pela frente um grandessíssimo idiota. Será que o individuo não percebe a imbecilidade que acaba de dizer? É pouco provável, devido à sua condição de idiota. O conceito de “voto útil” é totalmente antidemocrático e, em geral, o idiota é democrata. É o que os pesquisadores de idiotices chamam de “paradoxo do idiota”. Quando se supõe que existe um voto útil, se supõe, ao mesmo tempo, que existem votos inúteis. O idiota, então, está cagando para o pluralismo democrático, mesmo que se diga um grande democrata. O idiota que vota útil deseja que todos da sua família política votem pelo futuro vencedor. Na verdade, o idiota sabe antes de todo mundo quem será eleito, sendo então inútil votar pelos outros, os perdedores. O idiota é uma espécie de eugenista que gostaria de ver pessoas diferentes desaparecerem. Pessoas diferentes, quer dizer, a seu ver, pessoas inúteis à construção da sociedade com a qual ele sonha. Resumindo, o voto útil é uma fórmula nazista, totalitária, perigosa. Se nem todas as expressões democráticas são úteis em democracia, por que não suprimir algumas? Ao ficar repetindo que é preciso votar útil, o idiota está condenando a democracia à podridão. Quantos jovens e inexperiente eleitores não se deixaram enganar por essa espécie de slogan aparentemente sensato: “É preciso optar pelo voto útil”? Quantos cidadãos não votaram contra as próprias ideias, condicionado pela propaganda dos idiotas?

Você há de concordar, é preciso trancafiar o idiota que vota útil numa urna eleitoral e lançá-la de paraquedas num gulag norte-coreano. Amén.

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Charb (Stéphane Charbonier) foi diretor do semanário satírico Charlie Hebdo de 2009 a 2015. Ele foi uma das vítimas do atentado terrorista à sede da publicação. A crônica acima faz parte do livro Pequeno Tratado da Intolerância, publicado no Brasil em 2015 (editora Planeta). 

terça-feira, 7 de julho de 2020

Dois Poemas na revista Ruído Manifesto


São tão raros os espaços para divulgar literatura que, quando se consegue um deles, vale comemorar.

Saiu na revista Ruído Manifesto dois poemas meus: "A mulher tinha ido embora há três semanas" e "Estamos em guerra, você não viu?". Ambos, estão no meu livro mais recente, O Tempo Já Não Importa (editora Artes & Ecos).

Link - http://ruidomanifesto.org/dois-poemas-de-lucas-barroso/?fbclid=IwAR2cLjWL1E_oyWUxV08U8G8gj5tTBQdh-RWLcUQUgqQ0XNXYmrxdLzZc8Po

terça-feira, 16 de junho de 2020

Entrevista para o Tons e Letras, da FM Cultura - O Tempo Já Não Importa


Entrevista com Luis Dill, para o programa Tons e Letras, da FM Cultura. Em um momento aí, conto como um livro meu (que acabou nunca sendo lançado) foi parar num lixão por causa de um caso de amor fracassado.


segunda-feira, 15 de junho de 2020

Ponto de Virada


Só quando se é pai e mãe é que se entende e se sente certas coisas. Eu jamais fui de chorar. Jamais cedi a pieguice. Isso até ter um filho. Quando meu guri nasceu, não chorei. Ao contrário, sorri. Mas quando a enfermeira do Hospital Conceição me mandou embalá-lo e cantar algo pra ele, não me aguentei. Ali, foi o ponto de virada. Uma parte de mim, dura e sisuda, ficou para trás.

Hoje, por exemplo, eu não consigo mais ouvir certas músicas sem ficar profundamente comovido. É o caso de Lady Laura. No clássico, de Roberto e Erasmo, o Rei diz que tem "às vezes, vontade de ser novamente um menino" e vai relembrando tudo que sua mãe, a Laura, fazia por ele.

Óbvio. Penso na minha mãe, penso na minha vó e choro. Tudo que elas fizeram, e que Lady Laura fez, é bonito demais. Se doar e se entregar para alguém. Alguém que não sabe, muitas vezes, o que fazer. Guiar uma vida e estar presente nos momentos difíceis. É uma dádiva.

Olho meu guri. Olho para trás. E, só agora, realmente compreendo tudo que se passou.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

'Aquele Gilberto Dimenstein de antes do câncer morreu'


Sonhei com uma mulher dizendo que eu estava com câncer. Sou super-racional, acredito na ciência, na lógica. Mas foi um sonho tão claro que fiquei encasquetado.

Fui aos médicos, fiz colonoscopia, endoscopia, ultrassonografia, não achavam nada, mas eu continuava impressionado. Um gastroenterologista pediu uma tomografia, "só para tirar a dúvida".

Fui às 22h, o resultado começou a demorar. Veio um enfermeiro e perguntou se não sentia muita dor, porque tinha pancreatite, mas eu não sentia nada. Não sentia nada. Procurei na internet: pancreatite dá em quem bebe —sou abstêmio há seis anos— e em quem tem vesícula —que eu já tinha tirado. Era câncer.

No dia seguinte, já estava no hospital. Tirei o tumor bem no comecinho, o que aparentemente era boa notícia.

Mas, passadas três semanas, ele estava no fígado. Fizemos quimioterapia para operar, mas, em vez de parar, o tumor cresceu. Passei quatro meses de tantas más notícias... muita febre todo dia, comecei a já me preparar para a despedida. Foi o meu período pessimista.

Hoje —é até difícil falar ​isso— estou vivendo o momento mais feliz da minha vida. Aquele Gilberto Dimenstein antes do câncer morreu. Nasceu outro.

Câncer é algo que não desejo para ninguém, mas desejo para todos a profundidade que você ganha ao se deparar com o limite da vida. Não queria ter ido embora sem essa experiência.

Grande parte da minha vida foi marcada pelo culto a bobagens: ganhar prêmio, assinar matéria na capa, o tempo todo pensando no próximo furo. É como se estivesse passando por um lugar lindo num trem em alta velocidade, vendo tudo borrado.

Quando você tem um câncer (ainda mais como o meu, de metástase e de pâncreas, um tipo muito agressivo), não há alternativa. Ou vive o presente ou sua vida vira um inferno.

E aí começam a aparecer coisas incríveis. Gosto de andar de bicicleta, e comecei a sentir o vento no rosto, como se estivesse sendo beijado. Você vê seu neto deitado com você [Dimenstein tem um neto de dois anos e espera o segundo para daqui a seis meses]. Acorda com os bem-te-vis e escuta os bem-te-vis.

Falar em sentidos é importante, porque meu tratamento tira o gosto, até a água fica ruim. Com o tratamento, também acaba a vida sexual; você fica impotente.

É uma fase de muitos pesadelos, que melhoram com o canabidiol [composto químico derivado da maconha, liberado para uso medicinal].

Tudo isso poderia fazer um cara superinfeliz. Mas as relações emocionais se sofisticam. Descobri só agora a profundidade da relação homem-mulher. Você está com enjoos, dores não apenas físicas, e a pessoa do seu lado o tempo todo. Não conhecia essa cumplicidade nesse nível.

Nós vivemos nos meios digitais a era da indelicadeza, 500 mil pessoas criticando. Eu acabei entrando no mundo das gentilezas. Cada pessoa tem uma palavra, um chá, uma dica de oração, um olhar gentil. O outro mundo vai ficando ridículo.

Com ou sem câncer vamos todos morrer, e se pudermos antecipar essa sensação, vamos evitar várias bobagens. A clareza maior da morte é uma dádiva. Não é o fim, mas um começo.

Pode ser o começo de um belo fim de vida, viver esses momentos com a família, ou um pit stop para voltar melhor. O cara tem que ser muito, muito, muito idiota para não voltar melhor.

Não é que eu ache que morrer é bom, mas você começa a questionar por que existe, e a conclusão é que, se não podemos escolher como entramos na vida, podemos decidir como sair dela.

Quando o médico me disse que eu estava com câncer, passou um dia, dois, três, e não tive medo. Só temia o impacto da minha morte nos outros. Não me senti desesperado. Nada, nada, nada. Até me espantei comigo mesmo.

Em inglês se chama "surrender" [render-se]. Você não está mais no comando, e isso é motivo de alívio. De felicidade, até.

Descobri que meu pavor era passar a vida sem propósito. Olhei para trás, e, apesar de todas as minhas delinquências —que não foram poucas—, acho que fiz mais bem que mal. Mudei minha carreira para fazer um jornalismo que não é de filantropia nem altruísmo, mas de empoderamento, de usar a comunicação para promover causas.

Não inventei nada, o comunicador não faz o vinho. Mas tira a rolha.

Acabei sendo obrigado a deixar de ser aquele jornalista racional, imparcial. Deixei de ser um espectador e passei a ser torcedor. Você vira um eunuco como jornalista, porque passa a querer dar só boa notícia.

Já antes do câncer tinha começado minha "quimioterapia social", na Orquestra Sinfônica de Heliópolis [de cujo conselho Dimenstein é presidente], que esteve perto de fechar. Em nenhum momento neste ano parei de trabalhar, arrecadar fundos, promover esse e outros projetos que acompanho. Não é bondade, é conexão com a vida.

O evangelho segundo são João diz "No princípio era o verbo". É a palavra que gera o poder, e nós, comunicadores, trabalhamos com isso, podemos fazer as pessoas poderosas trabalharem juntas.

Hoje há um enorme desperdício. Há um ditado árabe maravilhoso, "gavião não voa em bando", ainda mais perfeito em inglês, "eagles don't fly together" —eagles tem o mesmo som de egos. Cada um quer ter seu legado, sua placa, seu projeto. Um secretário não trabalha com outro, a prefeitura não trabalha com o estado, um dinheiro enorme sai pelo ralo, sem meta, sem avaliação, sem trabalho articulado, uma catástrofe.

O mundo é como um corpo humano. Há pessoas que espalham infecções, se xingam, se odeiam. [O presidente dos EUA, Donald] Trump e [o presidente brasileiro, Jair] Bolsonaro não criaram isso, mas sintetizam essa cultura da infecção, do ódio, do confronto. E há os glóbulos brancos, as pessoas que não deixam o mundo acabar, que inventaram a anestesia, o antibiótico, descobriram a hélice dupla do DNA.

Meu tumor passou por análise genética —recebi o resultado ontem [sexta, 27]—, e sou um caso de 1% cuja mutação talvez tenha um tratamento promissor. Em ratos, eliminaram o câncer de pâncreas, e estão começando a testar em humanos, procurando a dose certa. Já me dispus a fazer parte dos testes no Brasil.

É até meio canalha, mas penso "será que eu vou ajudar a encontrar a cura?". Para um jornalista que gosta de furos, você se transformar num furo de si mesmo é incrível, né? Mas para ajudar os outros.

Voltei a ficar otimista. Ganhei da minha mulher dois ingressos para ver o [músico] Bobby McFerrin nos EUA, em maio. Já estou com planos para o ano que vem. Você volta a ter projetos, é a vida voltando a circular. Eu acho que tenho muita chance, muita chance.

Vida após a morte? Se for igual a esta, prefiro que não exista. Se eu acordasse e estivessem lá Trump, Bolsonaro, [primeiro-ministro da Hungria, Viktor] Orbán, não sei se queria, não [risos].

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Texto publicado originalmente na Folha de São Paulo

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Pérolas negacionistas da quarentena


A perspectiva é assustadora. O Brasil ultrapassou as 25 mil mortes e 400 mil infectados pelo novo coronavírus. Infelizmente, mesmo após mais de dois meses em estado de calamidade pública (desde 20 de março, data da publicação do decreto federal), vivendo na popular quarentena – ou isolamento social, ou distanciamento, ou até mesmo lockdown em certas regiões – devido à pandemia, o país se tornou o epicentro da Covid-19, conforme divulgou a Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 22 de maio. O Sistema Único de Saúde (SUS) colapsou em alguns estados. Mortos são, diariamente, enterrados em valas comuns.

As causas para esse quadro são diversas. Cabe apontar algumas delas. Desde o princípio, em janeiro, quando só havia casos registrados em Wuhan, na China, o governo federal acionou o modo negação, deixando o planejamento em segundo plano. Foram dezenas (e continuam…) de falas absurdas do presidente Jair Bolsonaro ("Não é isso tudo", "Gripezinha ou resfriadinho", "Brasileiro não pega nada!", "Eu não sou coveiro", "O vírus está indo embora", “É uma histeria", "Sou Messias, mas não faço milagre", "E daí, quer que eu faça o quê?”, "Todo mundo vai morrer, um dia"), ações irresponsáveis como a abortada campanha #BrasilNãoPodeParar, a saída de dois ministros da Saúde, o descompasso e a falta de diálogo com governadores, assim como a ausência de um plano estruturante nas áreas de Saúde e Economia. Um completo desastre de gestão pública.

A nossa maior chaga também está presente. Pululam casos de corrupção. Em administrações estaduais e municipais, o Ministério Público identificou aquisição superfaturada de equipamentos para o combate ao coronavírus, desvios de verbas da máquina pública para outros fins, entre outros escândalos.

Como se não bastasse, temos a insistência de uma grande parcela da população em não levar o vírus a sério (influenciadas por quem será?), promovendo aglomerações, abrindo comércio onde não é permitido e teimando em não usar máscaras de proteção. Tudo em nome de uma pretensa liberdade. Um discurso batido e cansativo. O mesmo que ouvimos quando foi aprovada a Lei Seca, que proíbe aos motoristas dirigir depois de beber álcool. O bebum se acidentava, ou era parado numa blitz, e soltava o clássico “É um direito meu! Se eu quiser beber, eu bebo”.

Somada a isso, uma fábrica fumegante de produção em massa de fake news polui o nosso ar e o deixa irrespirável. As mentiras se dissipam em grupos de WhatsApp e nas tais “mídias alternativas” (uma praga que não vem de agora). O resultado? Polarização e embates diários. Uma grande energia é gasta para desmentir factoides sem pé nem cabeça. O governo federal, é claro, não poderia ficar de fora dessa. No dia 20 de maio, o Ministério da Saúde ampliou o acesso de pacientes, nos primeiros dias de sintomas, à cloroquina, uma medicação até o momento sem nenhuma eficácia comprovada para a Covid-19. É a oficialização das fake news!

Mas o melhor, e o pior, desse cenário grotesco são os pensamentos originais de pessoas que ultrapassaram o nível da negação e atingiram o de delírio. Uma espécie de estado mental zumbi, só que com uma brecha para a, digamos assim, “criatividade” em propor soluções e/ou identificar complôs ativos durante a pandemia. Separei para vocês algumas dessas pérolas que pesquei no WhatsApp (sim, eu não saio dos grupos, sou do tipo que lê tudo):

"O brasileiro é mais resistente. Aqui vai morrer menos gente"

"Tem que liberar o isolamento no começo, para as pessoas criarem anticorpos"

"O governador está quebrando a economia para se reeleger"

"A quarentena só serviu para destruir empresas"

"Para mim, está provado que a quarentena mata mais"

"Se tu for ver, dez mil, em menos de dois meses, são poucas mortes"

"Morreram muito mais de H1N1 no Brasil e ninguém falou nada"

"Os hospitais estão vazios"

"Tem milhares de pessoas morrendo porque não vão ao hospital"

"Vão esperar morrer mais gente só porque a cloroquina não tem homologação da OMS?"

"Milhares de mortes poderiam ser evitadas se não fosse o complô da indústria farmacêutica que é contra a cloroquina, um remédio com patente brasileira"

"Obrigar as pessoas a usarem máscara é tirania"

"Se tudo fosse liberado desde o começo, quem garante que teria mais mortes?"

"Sem liberdade, estamos vivendo exatamente como viviam durante o comunismo"

“Cadê as notícias positivas? A maioria se cura ou nem pega esse coronavírus. Isso, sim, deveria ser manchete”

E tem muito mais. Como dizia a ufanista marchinha da Copa do Mundo de 1958: "Com brasileiro, não há quem possa!".

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Texto publicado originalmente no site Mínimo Múltiplo.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Um Gato que Se Chamava Rex no jornal Zero Hora


Um Gato que se Chamava Rex é uma das dicas de leitura para as crianças na matéria assinada por Ticiano Osório ("15 livros que lemos com as crianças lá em casa"), no Segundo Caderno, do jornal Zero Hora.

Matéria completa no link https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/ticiano-osorio/noticia/2020/05/15-livros-que-lemos-com-as-criancas-la-em-casa-cka70reqn001g015n8efrje46.html

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Trecho de O Invasor, de Marçal Aquino


Uma histerectomia pôs fim ao sonho de Cecília ser mãe. E, a partir daí, alguma coisa se rompeu entre nós. Ela pareceu ter perdido o viço, a força que me atraíra quando a conheci. Tornou-se uma mulher frágil e se contentou com o papel de coadjuvante, sem direito a muitas falas, na farsa que passamos a encenar.

Às vezes, ainda trepávamos – é impróprio dizer que fazíamos amor.

Houve um momento em que eu e Cecília percebemos que nossa relação estava morta. Mas nenhum de nós reagiu. Há certos cadáveres que, por razões que ignoramos, não se decompõem. E não havendo mau cheiro que incomode os vizinhos, não há necessidade de chamar o IML.

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Trecho de O Invasor, de Marçal Aquino (romance, Cia das Letras, 2011)


quinta-feira, 7 de maio de 2020

A voz do Rio Grande - José Claudio Machado

1948 - 2011
Aos 58 anos, José Cláudio Machado é um dos grandes nomes do nativismo. Foi o vencedor da Califórnia da Canção Nativa de 1972, com Pedro Guará, e levou Os Serranos a conquistar o Disco de Ouro em 1986. Dez anos depois, gravou o ótimo CD Milongueando Uns Troços, com Bebeto Alves. Em 2004, revisitou sua carreira no DVD No Meu Rancho, gravado no sítio em Guaíba onde o compositor mora há mais de 20 anos.

Qual a sua lembrança de infância mais remota?

Quando eu tinha uns 10 anos e montava em um petiço. As senhoras que tiravam leite lá fora, em Tapes, pediam para montar no petiço para buscar as vacas.

Qual seu maior ídolo na adolescência?

Eu gostava muito do Teixeirinha, porque é uma pessoa que marcou época. Fora da música, gostava do ator Roy Rogers. Na política, o nome mais forte era Getúlio Vargas.

Onde passou férias inesquecíveis?

As férias que passei em São Lourenço, na casa de meu irmão, Nilton Roberto Machado, há uns quatro anos. É o meu único irmão (ele tem mais três irmãs). Ele é marinheiro e passa mais tempo no mar do que em terra.

Qual sua idéia de domingo perfeito?

Estar em casa com minha família e poder fazer um churrasco. A carne que eu gosto é de costela da ripa e carne de ovelha. Tendo ovelha é especial.

O que faz para espantar a tristeza?

É difícil espantar. Tu só espantas quando tu vês um amigo. Conversando com amigos a gente espanta a tristeza.

Que som acalma você?

Uma música gaúcha de bom nível. Na verdade, pode ser de qualquer gênero, mas tem de ter bom nível.

O que dispara seu lado consumista?

Carne. Chego no açougue, vejo um pedaço de carne, tenho de comprar, não me seguro. E tem um detalhe: como pouca carne. Eu guardo no freezer e ofereço para as minhas visitas.

Qual a palavra mais bonita da língua portuguesa?

Tem tantas, mas acho que amor, porque amor é tudo, é respeito, é carinho é paixão, é amizade.

Que livro você mais cita?

Sidarta, de Hermann Hesse.

Que filme você sempre quer rever?

Gosto de filme de faroeste e musical, mas não dá para citar um em especial.

Que música não sai da sua cabeça?

Milonga Abaixo do Mau Tempo. Estou sempre pensando nela porque, se facilitar, esqueço um pouco do trecho e isso fica feio em um show.

Um gosto inusitado.

Volta e meia eu vestia uma calça e saía de calça e sapato, o que é fora do meu dia-a-dia. A calça é mais cômoda do que a bombacha, porque com ela não preciso andar de bota.

Um hábito de que você não abre mão.

Tenho mania de, ao acordar, sentar na cama e ficar um tempo pensando. Também tenho mania de pontualidade.

Um hábito de que você quer se livrar.

O meu cafezinho de manhã e o meu cigarro. Estou tentando me livrar.

Um elogio inesquecível.

Aquele crítico de música Fernando Pamplona disse ao Patinete (Ayrton dos Anjos) que um intérprete como eu nascia de cem em cem anos.

Em que situação vale a pena mentir?

A pior coisa que tem é mentir. Quando é de brincadeira até passa, mas a mentira nunca vai adiante.

Em que situação você perde a elegância?

Procuro me controlar ao máximo. É difícil. Só se a pessoa me agredir fisicamente.

Em que outra profissão consegue se imaginar?

Vejo-me como um mecânico. Até sei alguma coisinha. Dá para o gasto.

O que estará fazendo em 10 anos?

Só Deus sabe.

Eu sou...

Uma pessoa comum, que gosta de cantar.

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Entrevista publicada originalmente em Zero Hora, em 23 de dezembro de 2007. 

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terça-feira, 5 de maio de 2020

O Tempo Já Não Importa - Livro Disponível



Olhando em perspectiva, acho que escrever é uma forma de mostrar que sou capaz. Ninguém me desafiou a nada. Ninguém disse que eu não poderia. É só um confronto constante com a solidão, alguns medos e a indiferença dos outros. Então, publiquei alguns livros. Um romance, um de contos, um infantil e agora poesia.

O Tempo Já Não Importa sai pela Editora Artes & Ecos. São 53 poemas. Minha ideia não foi fazer apenas uma compilação do tipo "melhores poemas". Eu queria, desde o começo, que tudo tivesse uma conexão, que os versos conversassem e a leitura acontecesse de forma fluída. Na verdade, é isso que penso sempre, porque não suporto textos herméticos, nem didáticos demais. É uma postura da qual não abro mão.

Não sei se fui feliz com o resultado do livro, mas foram essas coisas tentei transmitir. Agradeço ao editor Lucas Krüger pela acolhida e parceria. O livro está disponível no site da Artes & Ecos ou direto comigo.


segunda-feira, 20 de abril de 2020

Dicas de Livros Curtos Nessa Quarentena - Participação na Rádio Gaúcha




Taí, as dicas de livros curtos para ler nessa quarentena. Esse foi o mote da minha participação no Bom Dia Segunda-Feira, programa apresentado pelo jornalista Felipe Daroit, na Radio Gaúcha.

No link, dá para o comentário - https://soundcloud.com/felipe-daroit/dicas-de-literatura-na-radio-gaucha-com-o-jornalista-e-escritor-lucas-barroso

segunda-feira, 2 de março de 2020

O Tempo Já Não Importa - Capa


Meu quarto livro já tem capa e tá no forno. O desenho é do talentoso Felipe Stefani. O editor é o detalhista Lucas Krüger. A apresentação ficou por conta de um escritor que admiro demais, o Luis Dill. A editora é a Artes e Ecos.

São uns poemas, umas prosas miúdas. Versos que foram expostos ao tempo, sem pressa. Palavras que catei no caminho e busquei ordená-las.

O estranho é que não tenho controle nenhum sobre elas. São elas que me dão carona. E pra onde vão eu não sei. Só sei que é um lugar novo. Fazer um livro é sempre assim.

No dia 4 de abril, será o lançamento de O Tempo Já Não Importa, no Instituto Goethe.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Sinopse



Sem encenar uma peça decente há anos, Roberto Alvim, um diretor de teatro renomado, hermético e decadente, vive um vácuo criativo.

Até o dia que resolve criar um personagem ultra-conservador, alinhado com uma certa elite intelectual e com as ideias do presidente eleito. Essa persona caricata é ele mesmo.

Suas posições firmes, surpreendentes, repercutem em artigos e entrevistas na imprensa. Alvim acaba consagrado como novo ministro da Cultura. No poder, ele briga com toda a classe artística e encena um pronunciamento nazista em rede nacional, que causa um mal-estar político em nível internacional. Após ser demitido do cargo, afirma estar possuído pelo demônio.

Em um programa de televisão popular, Alvim participa de uma sessão de descarrego, onde um pastor vai retirar o capeta de seu corpo. Ajoelhado, com a mão sobre a Bíblia, ele conta a verdade sobre sua performance. Tudo foi uma encenação.

Agora, o diretor de teatro está diante de um tribunal e terá que provar que sua arte não lesou a pátria.