quarta-feira, 30 de novembro de 2022

O que importa pra nós


Acontece que fizemos coisas que significam muito pra gente, mas para os outros nem tanto. Por diversas razões. Foi assim quando Cazuza escreveu um poema para sua avó. A velha não deu tanta importância para os versos do então jovem Agenor – nome da certidão do cantor. Guardou a folha com os versos numa caixinha. Daí, como é sabido, o destino levou Cazuza cedo demais e ocorreu o maior dos pesadelos, que é uma mãe e uma vó enterrarem um filho/neto.  

O tempo obrigatoriamente passou. No final da década de 90, a mãe do artista, Lucinha Araújo, vasculhando as recordações da sogra, encontrou o tal poema. Na mesma caixinha. As palavras ganharam um novo significado. Estavam, agora, tomadas de sentido. Lucininha publicou em jornal. Virou uma canção. Frejat musicou e Ney Matogrosso foi o intérprete escolhido.  

Se chama simplesmente Poema e fala de afeto e outras tantas coisas... Inclusive, sobre o que aconteceu há minutos atrás e pode ser tão importante pra gente.

Assim como pode ser belo e não ter fim.

Poema (Cazuza / Frejat) 

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro alguém com seu carinho
E lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo 

Hoje eu acordei com medo, mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
Que não tem fim... 

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás


sábado, 19 de novembro de 2022

O sonho de um homem


Na década de 50, a Zona Norte de Porto Alegre era um retrato em preto e branco. E meu vô, Algenor, vivia nele. Veio de São Luiz Gonzaga para viver um sonho. A ilusão da cidade grande. Ficou pelo bairro Sarandi, com minha vó e seus três filhos - um deles, meu pai.

Foi frentista em um posto de combustíveis na avenida Assis Brasil com a rua Edmundo Bastian. O estabelecimento ainda existe. Meu avô, não mais. Morreu na década de 70. Trabalhou demais. Viveu de menos. Não conheceu nenhum neto. Mas sonhou. 

Ele também foi motorista da linha de ônibus Sarandi, na mesma década de 50 e ao longo de muitos anos. A linha ainda resiste e circula por algumas ruas que Algenor tanto passou. 

Será que alguém ainda se lembra do meu vô? Dizem que era meio ruivo. Pelo duro. Atarracado. Gostava de churrasco, dança, música gaúcha - Os Irmãos Bertussi era o seu grupo favorito - e fotografia. Fazia questão de registrar um ônibus recém comprado pela empresa, uma turma de amigos ou colegas de trabalho.

Já faz tanto tempo... Alguém ainda sente saudade dele? Imagino que sim. Seus filhos, já velhos, certamente sonham com seu pai. Contudo, logo eles irão embora. 

E caberá a mim sonhar. Depois, aos meus filhos. Um sonho que, aos poucos, também vai se apagar... Como as memórias vividas, as pessoas que passaram em nossas vidas e a Zona Norte da década de 50.




quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Bolsonarismo 2.0

Foto: Fred Magno/ O Tempo

As eleições acabaram. Por uma diferença de 2,1 milhões de votos, Lula foi o escolhido pela maioria dos brasileiros, no segundo turno. Jair Bolsonaro, que buscava a reeleição, saiu derrotado. Contudo, o Bolsonarismo seguirá vivo por um bom tempo. Mesmo o seu líder máximo não exercendo nenhum mandato. 

Esse período pós-eleições é uma prova disso. Os bolsonaristas mais fervorosos estão indignados. Alguns caminhoneiros bloquearam estradas, manifestantes de verde-amarelo bradaram palavras de ordem pelas ruas e influenciadores digitais e de imprensa cuspiram fogo. Afinal, ninguém gosta de perder. Ainda mais para seu algoz, o PT.  

É bem possível que essa fase seja reconhecida, no futuro, como Bolsonarismo 2.0. Movimento onde nem mesmo o presidente de 2019 a 2022 fez parte. Importante salientar que Bolsonaro – demorou, mas – já admitiu a derrota nas urnas, está promovendo a transição com o governo petista e pediu o fim de protestos violentos ou que bloqueiam rodovias.  

Porém, o Bolsonarismo 2.0 não está nem aí para os fatos. Sua horda, inclusive, superou Jair Messias. Esse neobolsonarismo decodificou, via grupos de Whats App, o discurso de seu mito e entendeu o contrário – como se ouvissem um disco de trás para frente em busca de uma mensagem subliminar.  

O bolsonarista 2.0 é complexo e merece ser estudado. Se diz democrata, mas foi para frente de quartéis do Exército pedir um golpe anti-democrático. Eles também juram que agem pela liberdade. Entretanto, vibraram com caminhões impedindo o direito de ir e vir das pessoas e prejudicando a economia do país. Logo a economia, que era o bem mais precioso – não a vida – durante a pandemia, segundo os próprios.  

A complexidade segue. Fomos criados com a máxima do "prevenção é o melhor remédio". O candidato a governador do Rio Grande do Sul, Onix Lorenzoni, um bolsonarista 2.0 que também perdeu nas urnas, atualizou o ditado. Para ele, “melhor vacina que existe é pegar a doença”, afirmou categoricamente em um debate, se referindo a covid-19 que ceifou quase 700 mil vidas no Brasil. Ou seja, ficar doente é o melhor remédio.  

Como foi dito, é tudo muito complexo, pois não há o que não haja.