sexta-feira, 26 de maio de 2017

Tarde Demais - Crônica de Ruy Castro


RIO DE JANEIRO - Há anos, passando em frente a uma lavanderia da Lapa, algo me chamou a atenção: uma pilha de 50 ou 60 discos de 78 rpm, no chão, na porta do estabelecimento. Velho fuçador de sebos, abaixei-me para examinar. O primeiro da pilha já era espetacular: um disco da gravadora Sinter, apresentando um choro no lado A e um "bop" no lado B. Intérpretes: "Os melhores de 53".

E quem eram "os melhores de 53"? A lista vinha impressa no selo: entre outros, os saxofonistas Zé Bodega e Cipó; o trompetista Julio Barbosa; o trombonista Nelsinho; o clarinetista Severino Araújo; o pianista Radamés Gnatalli; o baterista Luciano Perrone; e outro saxofonista, Paulo Moura. Em 1953, Paulo Moura tinha 20 anos, mas já podia sentar-se entre aqueles mestres. E o fato de o disco conter um choro e um tema puxado ao jazz indicava as duas direções de sua carreira.

Folheei os outros discos e nenhum me interessou. Perguntei ao homem do balcão se estavam à venda. Respondeu que eram de graça -desde que eu levasse todos. Não os jogara fora há mais tempo porque tivera pena, um deles poderia interessar a alguém. Não discuti. Fiz sinal para um táxi, e o motorista me ajudou no carreto das bolachas para o banco traseiro. Já o dos "Melhores de 53" foi a salvo comigo, preso pelas duas mãos.

E até hoje o tenho. Mas, agora, com um travo de remorso. Certa vez, falei desse disco ao próprio Paulo Moura. Ele disse que já não o tinha havia décadas e lamentava que nunca mais voltaria a escutá-lo. Prometi-lhe uma cópia, mas, com as idas e vindas da vida, o disco sumiu de minhas vistas. Estive com Paulo muitas vezes, e ele, elegantíssimo, nunca me cobrou. Eu é que me sentia em dívida.
Pois, esta semana, reencontrei o disco em casa, numa estante. E me comovi ao ler o título do choro -"Agora É Tarde Demais"-, porque Paulo acabara de morrer.


Crônica publicada na Folha de São Paulo, em 17/7/2010

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A Paixão é Cega e Vem montada num burro

"A paixão é cega e vem montada num burro", diz o ditado.

Recordo essa máxima, porque a tendência é que as pessoas que defendem Lula/Dilma e Aécio/Temer (enrustidos ou escancarados) sigam assim. Indiferente a conclusão da Justiça. Essa de "vamos aguardar" é uma balela.

Ninguém (pelo menos que eu conheça) mudou sua opinião em relação a Collor, absolvido pela Justiça em 2014 pelos supostos (?) crimes de corrupção em 92. Ninguém esperou para tirar suas conclusões.

Quem o chamava de ladrão na ocasião, mantém sua postura (falo por mim também). Mesmo que as provas/evidências não tenham sido suficientes para uma punição.

É assim que funciona. A gente nem nota que o príncipe encantado não veio montado no cavalo branco e, sim, em um burro. Porque a gente só tem olhos para o príncipe.

-------

STF absolve Collor por crimes de corrupção da época em que era presidente