quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Elas Me Revoltam - Simone de Beauvoir


"Trabalha de vez em quando como roteirista. Conheço esse gênero de mulheres na moda. Têm uma profissão vaga, pretendem cultivar-se, fazer um pouco de esporte, vestir-se bem, cuidar impecavelmente da casa, educar perfeitamente os filhos, levar uma vida mundana, em resumo: ter sucesso em todos os planos. E na verdade não se prendem a nada. Elas me revoltam".


Simone de Beauvoir, no conto A Idade da Discrição

terça-feira, 7 de novembro de 2017

A Filha do Militar


Caminhávamos naquele bairro que, há pouco, foi adotado pelos jovens e intelectuais da cidade. Era impossível não esbarrar em alguém. Mesmo em dia útil, horário comercial, tinha uma grande circulação e variedade de tipos.

- Não suporto essa gente.

Fez sinal com a cabeça indicando uma jovem senhora toda tatuada e com um cachorrinho exótico na coleira. Ela comprava um produto falsificado de um haitiano, que estava com uma esteira na calçada.

- Deve viver de pensão. O pai foi militar. Morreu e deixou um apartamento por aqui. Ela, mesmo esquisita, deve ter marido há uns 20 anos, um professor de Humanas. Eles moram juntos, mas não casaram no papel. Se fizessem isso, ela perderia o que recebe do governo.

Demos mais alguns passos. Ele prosseguiu.

- Aposto que ela protesta contra isso tudo que esta aí. Pega bandeirinha e tranca rua. Discursa na mesa do restaurante, fala alto para que os outros ouçam. Estraga os jantares em família. Por que ela não abdica da pensão?

Antes que eu respondesse, concluiu.

- Porque é uma hipócrita! E sabe muito bem disso. Aposto que só dorme na base do anti-depressivo.

Eu não sabia o que falar. Procurava um novo assunto para mudar o rumo da conversa (arriscaria elencar os nomes cotados para as próximas eleições ou citaria uma banalidade qualquer), quando ele emendou.

- Essa cidade e essa gente me anojam.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Feira do Livro - Da Calçada à Praça de Autógrafos


Relato do escritor e jornalista Jeison Karnal.

Parece um guru, em seu tapete. E é. Mas tem que estar preparado para seu livro cheio de sabedoria urbana suja, Pereices, em "Um Silêncio Avassalador". Não há respostas para o mundo contemporâneo. Só perplexidade. Só angústia. Palavras sempre em confronto com a mudez. Dia 14, Barroso vai à feira. Ano passado foi no chão mesmo, numa esteira de praia, um amor puro e sujo ao mesmo tempo. Quem ainda não descobriu a Literatura dele precisa sair dos círculos de canapés, k-sucos de morango e auto-elogios dos "clubes de mágica para burgueses iniciados" e se reconectar com a feitiçaria vodu, da escrita do mundo que não basta, da batalha perdida sempre inútil e valorosa. Lucas Barroso chegou à Feira. Deve estar feliz, tomando uma cachacinha. Merece. Mas sei que está cagando para isso. O sucesso é uma fraude, uma armadilha do ego. só a Literatura visceral busca o homem/mulher sem as camadas de verniz. Só ela nos ofende e nos põe para cavocar a contradição de ser feliz e nada ao mesmo tempo. Não lemos para nos perder, todos já estamos em uma batalha perdida. O silêncio sobre o que nos fere é avassalador. Estamos narcotizados. Por isso temos medo dos bons livros. Eles são como baionetas em nossas costas nos fazendo andar.