segunda-feira, 30 de março de 2015

A Epopeia de Mark Sandman


Uma das bandas que mais admiro é o Morphine. Lembro que comprei Good (primeiro disco deles; ao todo, foram cinco oficiais, sendo um póstumo) em um balaio de promoções na Multisom, só porque estava a preço de banana e tinha uma capa bonita. A partir disso, fui atrás do resto da discografia da banda (Cure for Pain é ótimo e obrigatório). Um disco melhor que o outro. Som soturno e com uma pegada meio jazz, meio rock and roll.

Na verdade, não sei explicar o som. Pra quem não conhecia, eu até tentava rotular, mas era impossível, não existem carimbos para o Morphine. O mais fácil é sugerir que a pessoa ouça. A banda, que durou de 1989 a 1999, era a única do mundo formada por baixo (só com duas cordas), bateria e sax.

Mark Sandman, o líder. O cara por trás das letras e conceito. Ele, que era o baixista, teve a ideia de tocar somente com duas cordas. Dizia que era mais fácil, tinha menos chance de errar. A história de Sandman, assim como sua música, é tocante. Ele era um jovem desajustado de uma família classe média americana. Não tinha interesse por cursar nada na faculdade, então, ouviu dos pais o clássico “ou trabalha ou vai embora”.

Sandman partiu em viagem por diversas cidades americanas. Foi pescador de atum no Alasca e teve outros empregos. Acabou como agricultor em países da América do Sul. Chegou a plantar, segundo a própria mãe conta, maconha e cogumelos alucinógenos no Peru. Sandman também viveu um tempo no Brasil (no documentário sobre sua vida, Cure for Pain – The Mark Sandman Story, é mostrada uma carta que ele mandou para seus pais de Torres, RS), onde ficou doente e resolveu retornar a Cambridge, Massachusetts, sua cidade natal, e tentar a música.

Aliás, sua vida está muito bem relatada nesse documentário. Vale a pena assistir. Retornando aos EUA, Sandman começa a montar bandas e buscar viver de música. Boas bandas, mas praticamente sem repercussão no cenário norte-americano. Até que forma o Morphine e atinge um sucesso considerável. Shows com mais de mil pessoas, entrevistas e discos citados em revistas especializadas e músicas em trilhas sonoras de Hollywood. No auge da banda, em 1999, em um show na cidade de Palestrina, Itália, Sandman sofreu uma parada cardíaca enquanto tocava. Morreu no palco. Tinha 45 anos.

O mais chocante é que ele era o irmão mais velho de quatro (três homens e uma mulher). E dois já haviam morrido antes de Sandman! Só restou a irmã e os pais, que no documentário confessam nunca ter dado bola para a música de seu filho.

Pra quem não conhece ainda, separei a música I'm Free Now e um trecho traduzido da letra. O documentário é possível encontrar por aí.



sou livre agora
para dirigir um filme
cantar uma música
escrever um livro 

sobre mim mesmo
sobre como sou interessante e tão maravilhoso

na verdade, sou só um fudido
e é um desperdício
derrubar os muros ao meu redor
batendo como um coração

não gostamos de falar
não fale comigo por mais ou menos uma semana
sinto muito, me dói explicar
tem alguma coisa acontecendo
que faz minhas entranhas doerem

tenho culpa
tenho medo
tenho arrependimentos

sou um lixo tomado pelo pânico
eu sou um babaca

fui honesto, eu juro
a última coisa que eu queria
era te causar dor

sábado, 28 de março de 2015

Quando Chega a Noite


"E veio cobrir aquela parte da cidade, como um poncho negro, a matéria espessa de que se fazem os silêncios".

Sérgio Faraco 

Trecho do conto O Silêncio, do livro Rondas de Escárnio e Loucura.



sexta-feira, 27 de março de 2015

segunda-feira, 23 de março de 2015

O Inventor da Estricnina - Poema Inédito



O Inventor da Estricnina

Lucas Barroso

Não escrevo para ninguém
Nem para agradar
Nem para ser lido
Nem para ser publicado
Nem para ser cultuado
Nem para ser aplaudido de pé
Nem para ganhar uma taça de primeiro lugar no concurso nacional de marchinhas de carnaval

Também não escrevo porque sou carente
Ou porque não fui o mais popular da escola
Ou porque apanhei mais que bati
Ou porque quero dinheiro
Ou porque não sei compor um samba
Ou porque acredito que posso ficar mais um pouquinho
Ou porque pretendo dar uma rasteira no Diabo

Escrevo para ter pose de artista
Para dar autógrafo
Para poder afirmar que fui abençoado com a dádiva
Para demonstrar que tenho uma inteligência acima da média
Para furar a fila
Para ter direito a uma foto três por quatro com a mão no queixo na enciclopédia Barsa
Para poder contar a história do cachorro atropelado e morto na beira da estrada

Escrevo para mentir
Escrevo para roubar
Escrevo para matar
Escrevo para estuprar
Escrevo para traficar influência
Escrevo para dizimar uma cidade que acredita ser grande e, entretanto, não passa de um vilarejo repleto de reacionários à espera de um desastre
Escrevo para ser herói
Escrevo para inventar uma religião
Escrevo para radicalizar os debates matinais
Escrevo para criar tabus
Escrevo para acalentar
Escrevo para ser o analista que olha seu cliente com desprezo
Escrevo para ser o rebelde da motocicleta que vaga pelo mundo em busca de um clichê de cinema

Escrevo
Simplesmente
E a Literatura me permite
Ouvir o silêncio de Deus

quinta-feira, 19 de março de 2015

Borges e Modiano


“Censurar e louvar são operações sentimentais que nada têm a ver com a crítica”.

Jorge Luis Borges 



"Todo escritor é testemunha e prisioneiro do seu tempo".

Patrick Modiano

segunda-feira, 16 de março de 2015

O Apanhador no Campo de Centeio - Um Trecho

Separei um trecho de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, publicado em 1951 - no Brasil, pela Editora do Autor, que só tem três livros de Salinger em seu catálogo. É um belo livro. Realmente, um clássico. Tem uma linguagem fácil e ágil, com a aparição de gírias - até então não utilizada na Literatura. O Apanhador é um retrato das inquietações da juventude. Uma história que sempre será atual.

Holden Caulfield, personagem principal do livro
Capítulo 12

O táxi que tomei era velho pra chuchu e cheirava como se alguém tivesse acabado de vomitar ali mesmo. Sempre que tomo um táxi de madrugada, tem que estar fedendo a vômito. E o pior é que a rua estava um bocado silenciosa e deserta, embora fosse uma noite de sábado. Não se via quase ninguém. Aqui e ali tinha um homem e uma mulher atravessando a rua, abraçados pela cintura e tudo, ou um grupo de imbecis com as namoradas, todos rindo como umas hienas de qualquer coisa que, aposto, não tinha a menor graça. Nova York é terrível quando alguém ri de noite na rua; pode-se ouvir a gargalhada a quilômetros de distância. É o tipo do troço que faz a gente se sentir só e deprimido. Continuava com vontade de ir para casa e fazer um pouco de hora com a Phoebe. Mas afinal, depois de algum tempo no táxi, eu e o chofer começamos a conversar. O nome dele era Horwitz. Era um sujeito muito mais simpático do que o outro motorista com quem eu tinha andado antes. Seja como for, pensei que ele talvez soubesse alguma coisa sobre os patos.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Vinte e Poucos Anos - Conto na Revista Bestiário


Eu tinha vinte e poucos anos e acreditava em muitas coisas. Estudava Jornalismo, tomava o trem diariamente. Lia e escrevia um bocado. Já me arriscava na Literatura e, assim como hoje, não era levado à sério - talvez, por rir demais de mim mesmo.

Nesse época, lembro que gostava muito da revista eletrônica de contos Bestiário - que, infelizmente, não existe mais, circulou na internet de 2004 a 2007. Conheci muitos autores graças a ela. Como a Bestiário também publicava inéditos, resolvi tentar a sorte.

Meu conto, Júpiter, foi publicado na edição 24, em maio de 2006. Um amigo esbarrou no texto, dia desses, e me enviou. Tive o trabalho de reler. Foi engraçado, como rever aqueles álbuns empoeirados de família.

Não sou de reler meus textos depois de concluídos - nem meu romance eu reli. A conclusão que cheguei é que Júpiter não está mal escrito. É certo que melhoria algumas coisa aqui e ali, mas é melhor deixar as coisas como estão.

Neste link dá para acessar o conto (o site segue no ar) http://www.bestiario.com.br/24_arquivos/jupiter.html 

sexta-feira, 6 de março de 2015

2015 Pode Ser Um Ano Bom


2015 pode ser um ano bom. Está prevista a publicação de meu segundo livro (O Ano dos Mortos, de poesia, pela editora Bartlebee). Existe a possibilidade de sair também um livro infantil e um de contos. Ambos estão concluídos e a procura de editoras interessadas.

Enquanto as coisas não acontecem, estou rabiscando um novo romance. Acho que depois de Virose, de 2013, já consegui reunir um número considerável de ideias para tentar concluir uma boa história.

Doze capítulos estão bem encaminhados. São rascunhos ainda, mas um deles pode ser este:

(...)
Eu possuía um numero significativo de brinquedos, assim como minha irmã. Quebra-cabeças, jogos de tabuleiro, bolas de gude, bola de futebol, carrinhos de ferro, bonecos inspirados em filmes e desenhos animados, revólver de espoleta.

Porém, meu vizinho tinha um número maior e tipos mais modernos, como jogos eletrônicos, pistola de pressão – com munição de chumbinho –, computador e carros de controle remoto. Além disso, ele andava de kart e me levava para assisti-lo. Eu ficava na arquibancada e ele ziguezagueava pela pista. Ele era muito bom naquilo. Sua casa era de dois andares e sua família não era de conversar. Meus pais diziam que eles eram herdeiros de uma grande empresa de transporte na cidade. Os diversos ambientes eram imensos e silenciosos. Ao contrário de onde eu morava, onde os gritos e as brigas e até os gestos de desculpas e arrependimentos eram em alto volume e reverberavam por todos os cômodos. Era impossível não saber o que estava acontecendo.

As nossas diferenças não prejudicavam nossa amizade – que perdura até hoje, quando lhe alugo um quarto para ele trazer suas amantes – e, sim, acabavam por fortalecer nosso laço. Tivemos raros momentos de tensão. Um deles foi por causa de sua irmã. Ela era mais velha, uns quatro anos de diferença. Quando tínhamos 12, ela, lógico, era quase uma mulher, com grandes e redondos seios, que repousavam em ousados decotes, e um belo rosto. Eu tinha desejo e, ao mesmo tempo, receio, por respeito a meu amigo e por timidez. Entretanto, confesso que, muitas vezes, a espiei em seu quarto e me masturbei, sonhando que transávamos.

Mas ela nunca havia trocado uma palavra sequer comigo. Parecia menosprezar minha existência. Cruzava por mim sem dar olá. Eu era tão irrelevante quanto um móvel inútil da sua extensa residência. Ela apenas desviava por mim e seguia seu caminho, ia à cozinha buscar um iogurte, banheiro, seu quarto ou em direção à saída. Isso me chateava. Em um final de tarde banal, ocorreu uma exceção. No salão de jogos havia uma grande televisão. Nós assistíamos a um filme de artes marciais quando ela adentrou e ordenou que o aparelho fosse desligado, pois, em instantes, começaria um programa de seu interesse. Isso gerou uma longa discussão entre os irmãos, mas os pais deles – diferente dos meus – não berravam para que eles calassem a boca ou parassem de brigar. O bate boca seguia quando ela se voltou para mim.

- Não sei como você o atura. Acho que é o único amigo dele.
- A gente se dá muito bem - respondi.
- Deve ser por que você é pobre. Seu pai é aquele que tem um fusca, não é?
Só consegui responder que sim. Ela se limitou a gargalhar e concluiu.
- Então, é por isso! Você só anda com ele por interesse. Seu pobretão!

E ria sem parar. Para minha surpresa, ele não me defendeu, riu também. Achou graça em ouvir que eu era um pobretão. As palavras e os argumentos para retrucar não me vinham. Só me restou correr, ir embora.

Alguns meses depois, ele se desculpou e fomos amigos outra vez.

Ela, até hoje, não.