terça-feira, 25 de agosto de 2020

O Caso Flordelis - Maior Que a Ficção


Flordelis tem quatro filhos biológicos e outros três adotados da "primeira geração" que faziam parte da "elite dos filhos". Estes tinham acesso a uma geladeira com  tudo do melhor, enquanto os demais 40 e tantos dormiam em quartos coletivos e comiam pão seco, massa e salsicha. Anderson, o marido morto, era um dos primeiros adotados. Durante um tempo ele namorou uma filha biológica da Flordelis, então, ele era filho e genro ao mesmo tempo e, depois, se tornou marido, enquanto ela foi mãe, sogra e esposa da mesma pessoa. E da filha, ele foi irmão, namorado e, depois, padrasto. Fora isso, Flordelis costumava frequentar uma casa de swing, onde teria um quarto exclusivo para participar de surubas com a filha, ex do marido, o marido e o marido da filha. Tá confuso? Mas tem mais, segundo um dos filhos, quando adotado foi trancado em um quarto para se purificar, enquanto a mãe adotiva o visitava para domá-lo sexualmente, dias e dias de sexo. Depois de aceito, em um ritual secreto, o pastor Anderson, o assassinado, se apresentava pelado e fazia com que os iniciados cortassem a mão e, com sangue, escrevessem trechos dos Salmos. Mas não acabou ainda, não. Anderson pedia permissão para também fazer sexo com os recém adotados. Quando de visitas de pastores de outros países, o casal oferecia uma das filhas para o prazer sexual como bons anfitriões. Flordelis teria tentado matar o Anderson oito vezes, envenenando sua comida (ele é ruim de morrer, teria dito um a das filhas), por conta do controle financeiro da igreja que fundaram, que tem o sugestivo nome de Cidade do Fogo. Anderson estaria cortando regalias da elite dos filhos e, estes, em associação com Flordelis, arquitetaram seu assassinato com mais de trinta tiros, a maioria parte na região pélvica da vítima. Agora sim temos um roteiro para uma série de fanatismo, horror e violência, proibida para menores. Nem Pasolini conseguiria filmar isso daí. 

Texto de Marcelo Benvenutti

domingo, 23 de agosto de 2020

Poema das Crianças*

 

O bebê de um ano e onze meses morto a pauladas pelo pai,

As dez crianças mortas pelo vigia que ateou fogo na creche, 

O menino assassinado pela polícia dentro casa com setenta e um tiros disparados a esmo,

O garoto estrangulado pela mãe,

O garoto empalado pelo homem desconhecido,

A menina alvejada pela facção rival do pai, 

A recém-nascida morta pela mãe, guardada em uma sacola plástica e descartada no container de lixo orgânico, 

O garoto que vendia rapadura na rua, morto com a promessa de que teria todos doces comprados se fosse a casa do assassino,

O menino que recebeu a injeção letal a mando do pai,

O menino arrastado por sete quilômetros do lado de fora de um carro por assaltantes, 

A menina atirada da janela do sexto andar pelo pai e a madrasta, 

O bebê de duas semanas que foi esquartejado e teve partes do corpo comida por cães, 

O menino assassinado com dois tiros no rosto antes do pedido de resgate,

O menino com síndrome de down morto com água fervente pela mãe,

A menina estuprada e que teve o corpo sem vida jogado no telhado pelo vizinho,

As duas crianças mortas em um ritual e que até hoje não foram identificadas, 

O menino assassinado com uma facada no pescoço pelo pai que tinha ciúmes da mãe,

O pequeno sírio que morreu afogado fugindo guerra e foi encontrado de bruços na beira da praia,

O bebê de noves meses morto de fome e desidratação pela mãe que o deixou por sete dias em um carrinho e saiu de casa,

E o feto de cinco meses abortado de uma menina de 10 anos que era estuprada pelo tio


Não se tornaram pessoas más,

Porque a sociedade 

Não os corrompeu.

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*Poema inédito. Escrito em agosto de 2020. 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Morte ao voto útil! - Crônica de Charb

 

Os períodos de eleições são particularmente propícios à caça aos idiotas. Não que o número deles aumente nessas épocas, eles simplesmente saem mais da toca. Basta conversar um pouco, e não vão conseguir deixar de dizer algo que os denuncie. Por exemplo: “É preciso optar pelo voto útil”. Ou: “Desta vez, vou votar útil”. Não resta dúvida: você tem pela frente um grandessíssimo idiota. Será que o individuo não percebe a imbecilidade que acaba de dizer? É pouco provável, devido à sua condição de idiota. O conceito de “voto útil” é totalmente antidemocrático e, em geral, o idiota é democrata. É o que os pesquisadores de idiotices chamam de “paradoxo do idiota”. Quando se supõe que existe um voto útil, se supõe, ao mesmo tempo, que existem votos inúteis. O idiota, então, está cagando para o pluralismo democrático, mesmo que se diga um grande democrata. O idiota que vota útil deseja que todos da sua família política votem pelo futuro vencedor. Na verdade, o idiota sabe antes de todo mundo quem será eleito, sendo então inútil votar pelos outros, os perdedores. O idiota é uma espécie de eugenista que gostaria de ver pessoas diferentes desaparecerem. Pessoas diferentes, quer dizer, a seu ver, pessoas inúteis à construção da sociedade com a qual ele sonha. Resumindo, o voto útil é uma fórmula nazista, totalitária, perigosa. Se nem todas as expressões democráticas são úteis em democracia, por que não suprimir algumas? Ao ficar repetindo que é preciso votar útil, o idiota está condenando a democracia à podridão. Quantos jovens e inexperiente eleitores não se deixaram enganar por essa espécie de slogan aparentemente sensato: “É preciso optar pelo voto útil”? Quantos cidadãos não votaram contra as próprias ideias, condicionado pela propaganda dos idiotas?

Você há de concordar, é preciso trancafiar o idiota que vota útil numa urna eleitoral e lançá-la de paraquedas num gulag norte-coreano. Amén.

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Charb (Stéphane Charbonier) foi diretor do semanário satírico Charlie Hebdo de 2009 a 2015. Ele foi uma das vítimas do atentado terrorista à sede da publicação. A crônica acima faz parte do livro Pequeno Tratado da Intolerância, publicado no Brasil em 2015 (editora Planeta).