sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Almir Sater e Renato Teixeira - AR (2015)


Se ainda faz sentido ouvir um "disco" do início ao fim, neste mundo de infinitas distrações, é o caso de AR (2015), de Almir Sater e Renato Teixeira. Canções brejeiras que falam de uma vida simples. As letras de Teixeira são doses de sabedoria popular, e a viola de Sater é precisa. Uma combinação difícil de dar errado.


Publicado originalmente no blog do Mínimo Multiplo.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

De Vez em Quando Rola um Sim



As polêmicas tolas de sempre no meio literário. Aquela confraria... Daqui dá pra sentir o tom. Falas de autoridade. Falsas autoridades. Distanciamento calculado. Vícios corriqueiros de quem vê o mundo pela janela de um  gabinete sem a luz do Sol. Um tique de acadêmico. Uma mania de intelectual. O debate. A "boa luta" - que nem luta de fato é. São só escritores falando com escritores. E o pior: escritores escrevendo para escritores. Eu sei. Você sabe. Além da pose, do rito, muitos apostam suas fichas minguadas na posteridade.

Eu quase caí nessa. Agora, não mais.

Claro, também tenho as minhas queixas e meus anseios. É bom que assim seja. Mas prefiro o pragmatismo de baixar a cabeça e trabalhar. Tentar escrever algo que preste, que é o que importa. Botar o pé na rua, os livros embaixo do braço e ir atrás de leitores, que é o que importa.

O "não" me é garantido e certo. E, infelizmente, essas negativas aparecem com frequência - e isso é uma das queixas. Porém, de vez em quando rola um "sim".

Por isso, vale a pena. Por isso, é importante não perder tempo com o que não interessa.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

No Caminho dos Antiquários

na calçada

próximo
de um abajur chinês
de um ioiô de marca de refrigerante que não existe mais
de um bilboquê
e de diversos exemplares de fotonovelas italianas

tem um mendigo

data de (informação imprevista)
valor da peça (a combinar com o expositor)

sábado, 18 de agosto de 2018

Solidão - Conto de Juan José Morosoli


Domínguez recém chegara da lagoa com a ração do cavalo. Ia até lá colher as gramíneas de superfície e folhas de parietária dos troncos podres dos salgueiros, para dar ao seu velho cavalo, um animal sem dentes, já mui fraco e com olhos opacos de nuvens leitosas. Mas era também a única coisa viva que Domínguez tinha para ao menos ocupar-se de algo em sua vida. Depois de alimentar o cavalo, não tinha absolutamente nada para fazer. As ervas eram o único alimento que o pobre cavalo podia comer. Enfraquecia a olhos vistos e era certo que não sobreviveria ao inverno que estava começando.

Depois de dar de comer ao cavalo, Domínguez pegou a cadeira petiça, de assento de couro de vaca, e levou-a para perto da cerca de tunas. Sentou-se e começou a preparar o mate doce. Era o café da manhã.

Não tinha mais açúcar. Nos últimos dois dias seu café, seu almoço e sua janta era o mate doce sem açúcar. Ficou pensando se era o caso de procurar um sobrinho que morava do outro lado da cidade e pedir alguma coisa. Não tinha vontade de ir, pois o sobrinho, ao dar o pedaço de carne, gostava de dar também alguns conselhos. Parecia mentira, ele dizia, que Domínguez era tão velho e ainda não tinha aprendido a viver. E Domínguez tratava de “esquecer os cabelos brancos e sujeitas as mãos, para que não estalassem nas bochechas do ranhento”.

Não, não queria ir. Mas dois dias sem comer dobravam a crista de qualquer um. Talvez, pudesse pedir fiado no bolicho novo... Mas era capaz que o bolicheiro novo já tivesse sido alertado pelos bolicheiros velhos, com os quais Domínguez tinha várias contas penduradas. Não que fosse mau pagador. Os proventos da aposentadoria é que eram pequenos. E quando os recebia, esquecia-se das contas e ia ao centro fazer compras à vista. Além disso, nos primeiros dias de pagamento gostava de ver vinho, queijo e doce em sua mesa.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Saudade do Antônio Marcos ou Brega Como Tem de Ser


Não sei se as pessoas não sofrem mais como antigamente, mas antes as canções de Antônio Marcos tinham sentido e tocavam fundo. "Volte amor", "Por que chora a tarde", "Você pediu e eu já vou daqui", "Oração de um jovem triste", "Menina de trança".

As distrações eram poucas. Cabia ao sujeito remoer a dor nas madrugadas insones ao lado do radinho de pilha ao som dele e/ou fumando um cigarro com a janela aberta. Refletir. Repensar. Esperar... Porque não havia outro jeito.

Contudo, hoje, qualquer desatenção nos consome e vale a pena. Mata o tempo. Nos distancia do que de fato sentimos. Alimenta o torpor e o esquecimento. Enfim, mata também um pouco da gente, soterrados por tanta informação e estímulo.

É assim. Outro momento. Rádio já não tem mais. Pilhas muito menos. Antônio Marcos está quase esquecido. Vive, sim, mas escondido em um canto empoeirado do Youtube. Lá, o primeiro comentário diz assim. "Isso é que era música de verdade. Saudade desse tempo que não volta mais".

Certamente, um saudosista.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Uma Breve História de Um Pai

(Ou uma certa esperança)

Mais uma noite em que andei léguas tiranas embalando meu filho. Pulso esquerdo aberto. Cãibras e dores musculares nas duas pernas. E ele segue chorando, impaciente. Inventei duas dezenas de melodias assobiáveis e nada dele dormir ou se acalmar. Um bebê é um ser insaciável. Extremamente carente e que não sabe sofrer calado. Retira o sono e a paz de todos a sua volta. Bagunça a rotina e esculhamba a casa. Até os gatos estão em polvorosa. Que beleza ou magia há nisso?

Com o nenê em minha vida, meu ego e minha libido se tornam dispositivos sentimentais desnecessários, inúteis. Aliás, qualquer coisa que eu sinta é fútil, pois tenho um recém-nascido para criar. É o que me dizem quando me queixo. Meus bens materiais, meus discos, filmes, livros e jogos do Internacional são igualmente fúteis. Estão em um segundo plano e deverão retornar a ser prioridade, ou algo próximo a isso, depois, em algum período em que meu filho não precisar mais tanto de mim. Mas quando se dará isso? Eu me pergunto e temo pela resposta.

Já dei mais de vinte voltas pelo apartamento. Terei mais um dia terrível pela frente. Meu filho ainda acordado. Não está mais nervoso como antes. Apenas faz força com as perninhas e dá breves gemidos. Eu poderia ter um colapso nervoso, mas não posso me dar a esse luxo. O fato é que me propus a ser um bom pai. Mesmo sem saber o que isso signifique ou como fazê-lo. São duas da manhã. Onde estão meus amigos agora? Sinto falta das conversas, piadas, confidências. Tenho ânsia de ligar para cada um e despejar essas coisas sobre as quais reflito. Contudo, não quero ser inconveniente. Eles, junto das demais "futilidades", também estão nesse segundo plano. Uma espécie de terra dos sonhos, que tendo a supervalorizar a cada dia.

Meu filho enfim adormece em meus braços. O peso do mundo em minhas mãos. O coitado nada sabe. Nada sofreu de fato. Cólicas e vômitos são café pequeno perto do que virá. O mundo ainda vai castigá-lo um bocado. Mas agora, com essa luz branda de abajur e uma caminha vazia, eu detenho toda a maldade e o protejo. Até quando? Deixo seu corpo repousar no berço, como se fosse uma peça de cristal. Logo, logo ele acordará para mamar.

Me deito. Preciso dormir urgentemente. Entretanto, meu delírio não cessa. Penso no livro A queda, de Diogo Mainardi, em O filho eterno, de Cristovão Tezza, e O pai da menina morta, de Tiago Ferro. Meu fardo não é nada. Eles sim tiveram uma história de dor e desespero para contar. E sobreviveram. Eu não posso me queixar.

Eu não posso me queixar.

Ainda mais porque logo na sequência do devaneio me vem a imagem de minha avó, que teve paralisia infantil na década de 30 e assim viveu até os 74 anos. Criou seus três filhos manca de uma perna e quase na miséria. Minha teimosia vem daí. Vou ser um bom pai.

De supetão ouço um grito. Depois vem o choro forte. É meu filho. Ele mama em sua mãe. Ela está exausta, esgotada. Mas sorri e conversa com ele. Conta algumas coisas que se passaram e se passam conosco, enquanto preparo o café. Abro a janela. O sol furou as nuvens, porém o frio persiste. Me arrumo. Visto a criança. Pego um pano de cinco metros, faço uma amarração, encaixo o menino junto ao meu peito e saio para a rua.

Ele olha atento a sua volta. O sol lhe machuca as vistas e ele mesmo assim insiste em ver. Árvores. Pássaros. Postes. Muitos fios. Carros. Comércio. Pessoas. Jovens passam distraídos. Homens adultos e velhos também. Só as mulheres e as senhoras percebem que há um bebezinho em meio àquele pano. Uma delas me aborda.

- Oh, que amor! Qual o nome dele?

- Murilo.

- Lindo nome. Olha essa touquinha!

E faz um gesto para o guri, como se lhe tocasse a ponta do narizinho com a mão. Murilo prontamente sorri. Depois gargalha.

- Estou com um irmão em coma no hospital. Voltei de lá agora. Fiquei arrasada, mas ver uma criança assim dá uma certa esperança na gente, não é mesmo?

Eu disse que sim.

E nunca fui tão sincero em toda a minha vida.

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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Um Gato Que Se Chamava Rex no Programa Tons e Letras

Entrevista para o escritor Luis Dill, no programa Tons e Letras da FM Cultura (107.7). O programa foi pro ar no dia 27 de julho. Na pauta, o livro Um Gato Que Se Chamava Rex, publicado pela editora Moinhos.


sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Parece que Morreu

Dois idosos na rua Fernando Machado.

- E aí, tem visto o Jorge?
- Parece que morreu.
- É?
- Aham.
- Mas ele nem era tão velho assim pra morrer.