sexta-feira, 19 de julho de 2013

Quando teus amigos somem

Às vezes, todo mundo sumia. Daí, eu ficava a mercê dos chatos, velhos ou desinformados sobre o itinerário da linha de ônibus. Outra alternativa, que volta e meia me acontecia, era levar um atraque da polícia. Até na luz os porcos não davam descanso. Mas eu estava solito naquela esquina, a mesma de sempre, quando sentou o velho Neno ao meu lado. Todos conheciam o velho Neno. O velho estava com um canivete em punho, uma laranja de umbigo na outra mão e uma sacola a tiracolo, com uma garrafa de 51 dentro. Sentou-se, esticou sua barriga para frente, arregaçou as mangas e, ao invés de chupar, cortou e comeu a laranja em nacos. O rosto, vermelho da tanta cachaça, contorcia em satisfação. Suas rugas pareciam cortes de facão e, a cada mordida, dobravam-se como o fole de uma gaita. 

- E aí, guri?
- Tudo bem com o senhor?
- Mais ou menos. Taria se tivesse a tua idade...
- E quantos anos tem o senhor?
- Oitenta e pouco – mascou mais um naco, quando um filete de suco se perdia da boca, usou a mão para levá-lo de volta. – Te digo que essa história de velhice ser a melhor idade, que tão falando aí na TV, é uma cascata da braba!

Eu não tinha perguntado nada. E decidi por assim fazer dali por diante. Sei como são os velhos. Eles te alugam os ouvidos e só soltam quando cansam.

- Como pode alguém cheio de remédio, de doença, de dor, com os amigo tudo morto, viver na melhor idade? Mas tu ainda não entende. Tu ainda não sabe o que é isso, guri – agora, ele mascaria mais um naco de laranja, porém, titubeou. Voltou-se contra mim, olhando bem na minha cara. – Me diz o que pode ser melhor que a juventude?
- É... – quando eu completaria, dizendo que não fazia a mínima ideia, ele se adiantou.
- Não essa tua juventude que vive em computador, com um telefone dependurado pra lá e pra cá, com a cara se esfregando na televisão. Mas a minha juventude... – Retornou para sua laranja ao perceber que não lhe oferecia resistência, talvez, fosse daqueles que só debatem quando há uma segunda força, uma segunda força contrária a sua. – Ah, mas que esperança! Que que eu tenho que te incomodar com isso...

Ergueu-se num urro, sentindo as juntas e o próprio peso da barriga. Equilibrou-se. Deu as costas e se foi, bem devagar, arrastando os pés na calçada. E nada de meus amigos aparecerem.