terça-feira, 18 de agosto de 2020

Morte ao voto útil! - Crônica de Charb

 

Os períodos de eleições são particularmente propícios à caça aos idiotas. Não que o número deles aumente nessas épocas, eles simplesmente saem mais da toca. Basta conversar um pouco, e não vão conseguir deixar de dizer algo que os denuncie. Por exemplo: “É preciso optar pelo voto útil”. Ou: “Desta vez, vou votar útil”. Não resta dúvida: você tem pela frente um grandessíssimo idiota. Será que o individuo não percebe a imbecilidade que acaba de dizer? É pouco provável, devido à sua condição de idiota. O conceito de “voto útil” é totalmente antidemocrático e, em geral, o idiota é democrata. É o que os pesquisadores de idiotices chamam de “paradoxo do idiota”. Quando se supõe que existe um voto útil, se supõe, ao mesmo tempo, que existem votos inúteis. O idiota, então, está cagando para o pluralismo democrático, mesmo que se diga um grande democrata. O idiota que vota útil deseja que todos da sua família política votem pelo futuro vencedor. Na verdade, o idiota sabe antes de todo mundo quem será eleito, sendo então inútil votar pelos outros, os perdedores. O idiota é uma espécie de eugenista que gostaria de ver pessoas diferentes desaparecerem. Pessoas diferentes, quer dizer, a seu ver, pessoas inúteis à construção da sociedade com a qual ele sonha. Resumindo, o voto útil é uma fórmula nazista, totalitária, perigosa. Se nem todas as expressões democráticas são úteis em democracia, por que não suprimir algumas? Ao ficar repetindo que é preciso votar útil, o idiota está condenando a democracia à podridão. Quantos jovens e inexperiente eleitores não se deixaram enganar por essa espécie de slogan aparentemente sensato: “É preciso optar pelo voto útil”? Quantos cidadãos não votaram contra as próprias ideias, condicionado pela propaganda dos idiotas?

Você há de concordar, é preciso trancafiar o idiota que vota útil numa urna eleitoral e lançá-la de paraquedas num gulag norte-coreano. Amén.

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Charb (Stéphane Charbonier) foi diretor do semanário satírico Charlie Hebdo de 2009 a 2015. Ele foi uma das vítimas do atentado terrorista à sede da publicação. A crônica acima faz parte do livro Pequeno Tratado da Intolerância, publicado no Brasil em 2015 (editora Planeta). 

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