Foi uma briga e tanto. Tem vezes que só a violência resolve e acalma as coisas. Meu pai não era flor. O outro homem envolvido também não. Só que meu pai era meu pai. Eu não tinha o que fazer senão defendê-lo. Meu velho estava sentado. Apreensivo. Ouvindo as ofensas. O outro atravessando a rua com uma faca em punho. Me viu. Ameaçou. Negaceou. Blefou. Entendeu que poderia ser dois contra um. Avaliou. Deu meia volta. Eu calado. Olhos fixos. Por uma fração de segundo, refleti. Estou de Havaianas, é ruim brigar assim. Tinha vinte e tantos anos. Nessa idade não se pensa muito. Seis passadas largas e estava perto dele. Foi muito rápido. Ele perdeu a faca. Desceu a rua Ministro de Oliveira Lima aos trancos e barrancos. Entrou na rua Guará em fuga. Cambaleava. Acessou o Mercado Guará derrubando tudo e todos. Eu logo atrás, com um cavalete de propaganda, aqueles de madeira e chapa de metal, do próprio mercadinho. Costela em promoção: R$ 16,90 o quilo. Batia. Sobrou pra quem estava perto. E pra mim também. Meu pai tentando brigar, me ajudar. Muita gente em volta. Cuidado, tem criança! Meu Deus, alguém segura ele! Em minutos, homens formaram um cordão humanitário que continha a todos. Eu com as mãos lavadas de sangue. Me desvencilhei. Ele tomou uma facada! O outro atirado perto do açougue. Era acudido. Tossia. Não tinha mais o que fazer ali. Subi a Ministro de Oliveira Lima sozinho. Meu avô era vivo ainda e me esperava na entrada do prédio. Tá tudo bem? Sim, vô, tá tudo bem. Morávamos todos juntos. Baixou ou subiu a pressão dele. Minha mãe cuidando dos dois. Um era a pressão arterial. O outro era simplesmente seu filho. Quis saber o que houve. Vizinhos nas janelas e nos apartamentos próximos também queriam. Auscultavam. De onde esse sangue? Ele foi me defender, explicou meu pai esbaforido. Já disse que tá tudo bem. Cortei a mão com aquele cavalete. Que cavalete? Disseram que foi uma facada. Não foi. Mas tá um corte feio. Minha namorada surge na cena. Cara de nojo. Muita raiva. Explode. Eu não acredito que tu tava brigando na rua?! É que ele foi... Deixa pai. E a guria deu às costas. Foi embora me xingando e dizendo que aquele bairro era uma vila e que essa gentinha da vizinhança era uma chinelagem e outras tantas coisas. Alguém leva ele no hospital. Não precisa. Precisa, sim! E tem que ir na delegacia dar queixa. Ih... a polícia tá aí. Viatura na frente do prédio. Giroflex. Vizinhos na rua. Crianças me cumprimentando. Crianças brincando de luta livre. Amigos perguntando se estava tudo bem. Amigos prometendo que assim não ia ficar. Dois brigadianos. Atentos. O outro já estava dentro da viatura. Banco de trás. Algemado. Curvado. Tossia. Ele admitiu que ameaçou o senhor e deu uma facada no seu filho. Eu já não tinha saco pra desmentir. Vocês têm que ir na delegacia agora, ali na DP do Sarandi, registrar o B.O. Não temos como levar vocês agora. Só tem uma viatura disponível. Vocês têm carro? Fomos. Meu pai, guiando o Uno Mille. Ainda tenso. Quis conversa. Essa DP é ali perto do Big, conheço o delegado. Estudei com ele. Se é que é o mesmo delegado ainda... Não dei assunto. Registrada a ocorrência. Uma segunda viatura apareceu e me levou ao Hospital Cristo Redentor. O médico olhou a ficha com enfado. Hum... briga com faca. Uns pontos nessa mão e vai ficar tudo bem. Não falei nada. Só virei o rosto para não ver. Tem medo de agulha? Não respondi, porém, ficou claro que sim. Mas de faca tu não tem né? O doutor fez o que tinha que fazer. Logo, a enfermeira vem aí e faz o curativo e tu tá liberado. Fui pra casa. Tinha um casamento para ir com minha namorada – se é que ainda era minha namorada - e estava muito atrasado. Minha mãe já tinha preparado o terno. Ela já foi, meu filho. Eu imaginei. Tu vai ir mesmo assim? Vou. Nossa, ainda cabe em ti esse terno! Tu não mudou nada... Faz o nó da gravata pra mim? Com a mão enfaixada tá difícil. Faço, filho. Dei um beijo na testa da velha. Tomei um táxi e fui. Perdi a cerimônia na igreja. Cheguei a tempo da festa. Minha namorada não teve reação alguma quando me viu. Fazia questão de olhar para o nada. Falava pouco e só com sua mãe e seu padrasto. Era como se eu não estivesse ali. Assim seguiu, até que os noivos, um casal de amigos de infância dela, se aproximaram de nossa mesa. Minha namorada mostrou os dentes. Abraços e muitos votos de felicidade. A cerimônia foi emocionante, disseram. Concordei. Após as frivolidades do momento, o noivo perguntou. E essa mão aí? Que que houve? Não titubeei. Acredita que cortei a mão fazendo um churrasco? Ele ficou surpreso, mas pareceu acreditar.
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