Eu lembrei desse poema. Mas não lembrei dos versos. Lembrei da feitura dele. E dele como algo bonito que fiz (mesmo sem recordar os versos). Me ficou na cabeça sua criação. Sua maquinação. Porque o escrevi em uma praça, num final de semana. Essa praça fica ao lado de um lar de idosos. Na frente do lar de idosos (ou seja, no outro lado da rua) tem uma creche. E eu me apercebi disso quando estava nessa pracinha. Com meu filho, que brincava na areia, que brincava no escorregador, que brincava no balanço... O lugar fica muito próximo a casa de Erico Verissimo, onde hoje mora seu filho também ilustre, Luiz Fernando Verissimo. O nome da praça é Mafalda Verissimo por essa razão. E eu escrevi o poema na cabeça primeiro. Com essa perplexidade me latejando. Como pode? Uma criança, quem sabe um dia, vai atravessar essa rua. Fui maquinando esse destino possível. Esse atravessar de rua que é uma vida inteira. Esse atravessar de rua inevitável, porque a velhice é o futuro. Quando cheguei na minha casa, as palavras escorriam pelos dedos. Uma a uma. Ágeis. E iam se enfileirando, aos trancos, sem pedir licença. Chegou um ponto que elas tomaram tento e se organizaram meio que sozinhas, como uma comunidade. Foi engraçado. Nessa hora, achei melhor deixá-las. Abandoná-las. E assim foi. Mesmo que elas acabem em um livro (como foi o caso), não há mais o que fazer com elas, pensei. Porque as palavras também atravessam a rua. E vão parar nesse mesmo asilo. Às vezes, alguém pode lembrar delas. E visitá-las. Mas nem sempre isso acontece.
A vida é assim mesmo.