quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Negócio de Menino - Rubem Braga

 


Tem dez anos, é filho de um amigo, e nos encontramos na praia:


– Papai me disse que o senhor tem muito passarinho…

– Só tenho três.

– Tem coleira?

– Tenho uma coleirinha.

– Virado?

– Virado.

– Muito velho?

– Virado há um ano.

– Canta?

– Uma beleza.

– Manso?

– Canta no dedo.

– O senhor vende?

– Vendo.

– Quanto?

– Dez contos.


Pausa. Depois volta:


– Só tem coleira?

– Tenho um melro e um curió.

– É melro mesmo ou é vira?

– É quase do tamanho de uma graúna.

– Deixa coçar a cabeça?

– Claro. Come na mão…

– E o curió?

– É muito bom o curió. 

– Por quanto o senhor vende?

– Dez contos.


Pausa.


– Deixa mais barato…

– Para você, seis contos.

– Com a gaiola?

– Sem a gaiola.


Pausa.


– E o melro?

– O melro eu não vendo.

– Como se chama?

– Brigitte.

– Uai, é fêmea?

– Não. Foi a empregada que botou o nome. Quando ela fala com ele, ele se arrepia todo, fica todo despenteado, então ela diz que é Brigitte.


Pausa.


– O coleira o senhor também deixa por seis contos?

– Deixo por oito contos.

– Com a gaiola?

– Sem a gaiola.


Longa pausa. Hesitação. A irmãzinha o chama de dentro d’água. E, antes de sair correndo, propõe, sem me encarar:


– O senhor não me dá um passarinho de presente, não?

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Crônica publicada originalmente em 26 de julho de 1966, no jornal Diário de Notícias

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