Abraçado ao Meu Rancor é, possivelmente, o melhor título de livro já escrito na língua portuguesa.
João Antônio, o autor, diz que o escolheu ao ouvir um tango. No conto homônimo, ele não aponta qual é a canção. Imagina-se que seja Como Abrazado a un Rencor, de 1930.
Em relação a obra, o livro é João Antônio em sua essência. Inicia, como fez em todos os demais publicados, com uma dedicatória à Lima Barreto (Para Afonso Henriques de Lima Barreto, pioneiro). E o que segue são dez histórias sobre excluídos, seu assunto predileto desde a estreia com Malegueta, Perus e Bacanaço, na década de 60.
Abraçado ao Meu Rancor foi originalmente publicado em 1986 pela editora Guanabara, sendo reeditado em 2002 pela Cosac Naify. Entretanto, não é uma tarefa fácil encontrá-lo nem em sebos.
Um trecho
Do que o sol nasce a que morre, este gente batalha. Uns entram a trabalhar pela noite nas industrias, gramam ali, buscando horas extras. Moram em Carapicuíba, Jandira, Itapevi, Osasco e lidam no outro lado da cidade. Queimam hora, hora e meia de trem. Viajam a pé, marmita debaixo do braço e os tarecos necessários. Ninguém se fala. Andam sonados, destroçados de cansaço. Tristes uns, inexpressivos outros, feito coisas. Feito bichos, olhos parados de boi.
Esses bancos das composições ainda eram de madeira. Uma vez, garoto, eu ia sentado e veio uma mulher. Onze da noite. Aquela deveria estar com fome e, na cara, uns olhos mortos de sono.
- A senhora sente.
Sentar, não. Aí, botei cara séria, insisti, deixasse de vergonha comigo. Então, me disse, sem graça, que não se descansava, não. Tinha medo de arriar, dormir, perder a estação em que havia de descer. Era o último trem; e se dormisse?
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