quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

O Que Eu Não Sabia


O professor e amigo Chico Pereira indicou a seus alunos da Feevale a leitura do meu primeiro livro, Virose (2013).

Lembro que me esforcei bastante para concluir e desenvolver a história. São vários personagens e tramas que se cruzam. O resultado foi bem prazeroso (pelo menos para mim).

Demorei para encontrar uma editora. Sem indicação e sem viver o meio literário é mais complicado ainda. Em Porto Alegre nem retorno negativo. Saiu pela Bartlebee de MG.

Uma pena que o livro tá difícil de achar. A editora faliu. Até em sebos não tá fácil de encontrar o Virose. Tinha um exemplar na livraria Traça e foi vendido recentemente.

Na época do lançamento saiu uma resenha do saudoso Alfredo Monte no A Tribuna, com elogios e também críticas, que é como tem que ser. Um jornalista da ZH disse que tava lendo e gostando, mas nunca publicou nada a respeito.

Também teve o caso da livraria (cultuada por ser independente) que se negou a vendê-lo e um espaço cultural (cultuado por ser independente) que não quis fazer o evento de lançamento. Tudo isso aconteceu.

O fato é que não há glória no caminho. Fazer literatura é assim: um exercício de paciência, resignação e serenidade. Mas isso eu não sabia quando lancei meu primeiro livro.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Abraçado ao Meu Rancor - João Antônio



Abraçado ao Meu Rancor é, possivelmente, o melhor título de livro já escrito na língua portuguesa.

João Antônio, o autor, diz que o escolheu ao ouvir um tango. No conto homônimo, ele não aponta qual é a canção. Imagina-se que seja Como Abrazado a un Rencor, de 1930.

Em relação a obra, o livro é João Antônio em sua essência. Inicia, como fez em todos os demais publicados, com uma dedicatória à Lima Barreto (Para Afonso Henriques de Lima Barreto, pioneiro). E o que segue são dez histórias sobre excluídos, seu assunto predileto desde a estreia com Malegueta, Perus e Bacanaço, na década de 60.

Abraçado ao Meu Rancor foi originalmente publicado em 1986 pela editora Guanabara, sendo reeditado em 2002 pela Cosac Naify. Entretanto, não é uma tarefa fácil encontrá-lo nem em sebos.

Um trecho

Do que o sol nasce a que morre, este gente batalha. Uns entram a trabalhar pela noite nas industrias, gramam ali, buscando horas extras. Moram em Carapicuíba, Jandira, Itapevi, Osasco e lidam no outro lado da cidade. Queimam hora, hora e meia de trem. Viajam a pé, marmita debaixo do braço e os tarecos necessários. Ninguém se fala. Andam sonados, destroçados de cansaço. Tristes uns, inexpressivos outros, feito coisas. Feito bichos, olhos parados de boi.

Esses bancos das composições ainda eram de madeira. Uma vez, garoto, eu ia sentado e veio uma mulher. Onze da noite. Aquela deveria estar com fome e, na cara, uns olhos mortos de sono.

- A senhora sente.

Sentar, não. Aí, botei cara séria, insisti, deixasse de vergonha comigo. Então, me disse, sem graça, que não se descansava, não. Tinha medo de arriar, dormir, perder a estação em que havia de descer. Era o último trem; e se dormisse?


Leia o conto completo 


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A Comida que o Maicon Mais Gostava


Mais que teoria, a gente lembra das coisas que aconteceram na escola. No Ana Neri, por exemplo, tinha uma professora de Português que nos ensinava a rezar.

Nas aulas de Educação Física, quando eu saía em disparada para o pátio, na troca de turno, a mestra me puxava e falava que primeiro vinha a educação, só depois a parte física.

Também tinha uma outra que dizia assim. "Vocês tem que passar desodorante. Se vocês não tem dinheiro, que passem talco no sovaco. Não quero aluno fedido na aula!".

Eu me lembro disso tudo vivamente. Porém, a recordação que volta e meia me surge é do Maicon.

Pois teve uma professora da quinta série que resolveu perguntar, no início do ano letivo, o prato preferido de cada aluno. Citavam galeto, massa, churrasco, batata frita... E o tal Maicon, que era um gordinho atarracado, me saiu com essa.

- Meu prato preferido é carne de feijão e uma salada bem geladinha.

E todos riram dele. Prontamente, seu apelido virou Carne de Feijão.

Daí, você vê. A cabeça da gente é impressionante. Eu não lembro a composição da fórmula de báskara, mas até hoje sei a comida que o Maicon mais gostava.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O Escritor Hoje


Hoje, o escritor é como aquela menininha que tocava piano em 1800. Só serve para se exibir para a família.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Histórias de Vida à Margem da BR-101


O repórter Murilo Salviano, da Globo News, cruzou a BR-101, que vai do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, atrás de histórias de brasileiros que vivem à margem dessa estrada. Foram 4.7 mil quilômetros percorridos de carro, em 30 dias. Ao todo, 12 estados foram visitados.

Um dos personagens entrevistados é Vilmar Godini, um ermitão que mora em uma caverna, na praia da Pinheira, cidade de Palhoça, Santa Catarina. Depois de conhecer o local onde ele vive e conversar um pouco, o repórter questionou.

- O que é o Brasil para o senhor?

Após uma pausa de 20 segundos, o ermitão respondeu.

- O Brasil é só um território.

A premissa de todo bom Jornalismo está presente nesse documentário. Ouvir pessoas e contar o que se vê. O resultado é um perfil do que é o país hoje.




sábado, 1 de dezembro de 2018

A Velha em Busca de uma Coca Zero


A velha, curvada pelo tempo, chegou na padaria da Borges de Medeiros. Não tomou conhecimento da longa fila no caixa.

- Com licença! Me vê uma coca zero.
- Ó.
- Não essa, moço. Quero a zero.
- Mas é essa, senhora.
- Não é.
- Está escrito aqui: "sem açúcar".

A velha quase encostou a cara na lata para conferir.

- Cadê o zero?
- É a mesma coisa. Sem açúcar é igual a zero.
- Se é assim, não quero.
- Senhora, é que essas embalagens e esses nomes mudam.
- Meu filho, tem que estar escrito zero.
- É que mudou, já faz um tempo que...
- Não mudou! Vou noutro lugar. Eu sei que tem coca escrito zero por aí.

E saiu. Bem devagar.