quarta-feira, 27 de maio de 2015

Quem Poderia Ter Sido Dora Bruder


Dora Bruder, no centro, com seus pais

Patrick Modiano, o mais recente vencedor do prêmio Nobel de Literatura, inicia o romance Dora Bruder, publicado em 1997, a partir de um anúncio, que descobriu folheando um jornal antigo, o Paris-Soir, do dia 31 de dezembro de 1941.

“Procura-se jovem, Dora Bruder, 15 anos, 1,55cm, rosto oval, olhos marrom-acinzentados, casacão cinza, suéter bordô, saia e chapéu azul-marinho, sapatos marrons. Qualquer informação dirigir-se ao Sr. e à Sra. Bruder, bulevar Ornano, 41, Paris”.

A partir dessas informações, Modiano tenta recontar os passos de Dora, uma francesa filha de judeus. A narrativa, não linear, é construída a partir de pistas, suspeitas, alguns dados oficiais e lembranças do período de ocupação nazista na França - época recorrente nas obras do autor. A própria trajetória de Modiano, que viveu esse período na mesma região de Dora, serve como auxílio para tentar entender o que aconteceu a ela.

O romance reconstitui - mesmo quando não há precisão - um tempo nebuloso de nossa história, onde vidas eram relegadas ao esquecimento, por pura tirana e intolerância. Entretanto, Modiano não aponta para os culpados, ele apenas se faz presente - de mãos dadas a Dora. Seu objetivo é não nos deixar esquecer a barbárie.


Alguns trechos de Dora Bruder

"Como muitos outros antes mim, acredito pessoalmente nas coincidências, e, às vezes, no dom de vidência dos escritores - a palavra "dom" não é o termo exato, já que sugere uma espécie de superioridade. Não, isso faz parte da profissão: os esforços de imigração, necessários nessa profissão, a necessidade de fixar o espírito em pontos, detalhes - de maneira até obsessiva - para não perder o fio da meada, deixando-se ir de forma aleatória - toda essa tensão, essa ginástica cerebral, pode certamente provocar, a longo prazo, breves instituições "relativas a acontecimentos passados ou futuros", como está escrito no dicionário Larousse, no tópico "Vidência" (pág 48-49).

"Lembro-me da forte emoção que experimentei ao fugir em janeiro de 1960 - tão forte que acho que até hoje não conheci nada igual. Era como a embriaguez de arrebentar, de uma só vez, todas as amarras: ruptura brutal e voluntária com a disciplina imposta, o pensionato, os professores, os colegas de classe. De agora em diante, você não tem mais nada a ver com essas pessoas; ruptura com os pais, que não o souberam amar, e de quem você diz que não pode esperar nenhuma ajuda; sentimentos de revolta e de solidão levados ao extremo, que interceptam nossa respiração, colocando-nos em um estado de levitação. Sem dúvida, uma das raras ocasiões da minha vida em que fui eu mesmo, em que caminhei com meus próprios pés (...) Penso em Dora Bruder. Digo a mim mesmo que sua fuga não era tão simples como a que vivi, vinte anos mais tarde, num mundo que se tornaria inofensivo. Esta cidade de dezembro de 1941, com seu toque de recolher, seus soldados, sua polícia, tudo lhe era hostil e queria destruí-la. Aos 16 anos, o mundo todo estava contra ela, sem que ela soubesse o por quê" (pág 72-73).

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