O Inventor da Estricnina
Lucas Barroso
Não escrevo para ninguém
Nem para agradar
Nem para ser lido
Nem para ser publicado
Nem para ser cultuado
Nem para ser aplaudido de pé
Nem para ganhar uma taça de primeiro lugar no concurso nacional de marchinhas de carnaval
Também não escrevo porque sou carente
Ou porque não fui o mais popular da escola
Ou porque apanhei mais que bati
Ou porque quero dinheiro
Ou porque não sei compor um samba
Ou porque acredito que posso ficar mais um pouquinho
Ou porque pretendo dar uma rasteira no Diabo
Escrevo para ter pose de artista
Para dar autógrafo
Para poder afirmar que fui abençoado com a dádiva
Para demonstrar que tenho uma inteligência acima da média
Para furar a fila
Para ter direito a uma foto três por quatro com a mão no queixo na enciclopédia Barsa
Para poder contar a história do cachorro atropelado e morto na beira da estrada
Escrevo para mentir
Escrevo para roubar
Escrevo para matar
Escrevo para estuprar
Escrevo para traficar influência
Escrevo para dizimar uma cidade que acredita ser grande e, entretanto, não passa de um vilarejo repleto de reacionários à espera de um desastre
Escrevo para ser herói
Escrevo para inventar uma religião
Escrevo para radicalizar os debates matinais
Escrevo para criar tabus
Escrevo para acalentar
Escrevo para ser o analista que olha seu cliente com desprezo
Escrevo para ser o rebelde da motocicleta que vaga pelo mundo em busca de um clichê de cinema
Escrevo
Simplesmente
E a Literatura me permite
Ouvir o silêncio de Deus
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