segunda-feira, 16 de março de 2015

O Apanhador no Campo de Centeio - Um Trecho

Separei um trecho de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, publicado em 1951 - no Brasil, pela Editora do Autor, que só tem três livros de Salinger em seu catálogo. É um belo livro. Realmente, um clássico. Tem uma linguagem fácil e ágil, com a aparição de gírias - até então não utilizada na Literatura. O Apanhador é um retrato das inquietações da juventude. Uma história que sempre será atual.

Holden Caulfield, personagem principal do livro
Capítulo 12

O táxi que tomei era velho pra chuchu e cheirava como se alguém tivesse acabado de vomitar ali mesmo. Sempre que tomo um táxi de madrugada, tem que estar fedendo a vômito. E o pior é que a rua estava um bocado silenciosa e deserta, embora fosse uma noite de sábado. Não se via quase ninguém. Aqui e ali tinha um homem e uma mulher atravessando a rua, abraçados pela cintura e tudo, ou um grupo de imbecis com as namoradas, todos rindo como umas hienas de qualquer coisa que, aposto, não tinha a menor graça. Nova York é terrível quando alguém ri de noite na rua; pode-se ouvir a gargalhada a quilômetros de distância. É o tipo do troço que faz a gente se sentir só e deprimido. Continuava com vontade de ir para casa e fazer um pouco de hora com a Phoebe. Mas afinal, depois de algum tempo no táxi, eu e o chofer começamos a conversar. O nome dele era Horwitz. Era um sujeito muito mais simpático do que o outro motorista com quem eu tinha andado antes. Seja como for, pensei que ele talvez soubesse alguma coisa sobre os patos.



- Êi, Horwitz. Você conhece aquele laguinho no Central Park? Aquele lá pro lado sul?
- Conheço o quê?
- O laguinho. Aquele lago pequeno que tem lá. Sabe qual é, onde ficam os patos...
- Sei, mas quê que tem?
- Bom, sabe aqueles patos que ficam nadando nele? Na primavera e tudo? Será que por acaso você sabe pra onde eles vão no inverno?
- Pra onde vai quem?
- Os patos. Será que você sabe, por um acaso? Será que alguém vai lá num caminhão ou sei lá o quê, e leva eles embora, ou será que eles voam sozinhos, pro sul ou coisa que o valha?

O tal do Horwitz virou para trás e me olhou. Era um sujeito do tipo impaciente pra burro. Mas não era má pessoa.

- Como é que vou saber? Como é que vou saber um negócio idiota desses, pomba?
- Tá bem, não precisa se aborrecer - falei. Ele ficou danado com aquilo, sei lá por quê.
- Quem é que está aborrecido? Ninguém tá aborrecido.

Se era para o sujeito ficar assim todo chateado, preferi suspender a conversa. Mas ele mesmo puxou assunto outra vez. Virou-se de novo para trás e disse:

- Os peixes não vão pra lugar nenhum. Ficam lá mesmo onde estão, os peixes. Na droga do lago mesmo.
- Com os peixes é diferente. Aí são outros quinhentos. Tou falando dos patos.
- O quê que é diferente com eles? Não vejo nada de diferente - ele respondeu. Tudo que ele falava parecia que estava aporrinhado com alguma coisa. E continuou: - É muito pior pros peixes, no inverno e tudo, do que pros patos, não vê logo? Usa a cabeça, pôxa!

Fiquei calado mais ou menos um minuto. Aí falei:

- Tá bem. Então, o que é que os peixes fazem quando o laguinho vira um bloco de gelo e tem uma porção de gente patinando nele e tudo?

O Horwitz se virou para trás de novo.

- O quê que os peixes fazem? - gritou para mim. - Pomba, ficam ali mesmo onde estão, ora essa!
- Mas eles não podem simplesmente ignorar o gelo. Não podem só fazer de conta que não tem gelo.
- Mas quem é que ignora o gelo? Ninguém tá ignorando nada!

O sujeito estava tão excitado e tudo que pensei que ele ia se arrebentar em cima dum poste ou coisa parecida.

- Vivem ali mesmo, dentro da porcaria do gelo. Já são feitos assim mesmo, por natureza. Ficam congelados o inverno todo na mesma posição.
- É? Então quê que eles comem, hem? Quer dizer, se ficam congelados, durinhos, então não podem nadar e procurar comida nem nada.
- O corpo deles, pomba... Quê que há contigo? O corpo deles retira a nutrição e tudo da droga das algas e da merda toda que tem no gelo. Eles ficam com os poros abertos o tempo todo. São assim mesmo por natureza. Tá entendendo agora? - ele falou, e virou outra vez no banco para me olhar.
- Tá bom - respondi.

Deixei o assunto morrer. Estava com medo que ele arrebentasse a droga do táxi. Além disso, era um cara tão estourado que não dava prazer nenhum conversar com ele.

- Você se incomoda de dar uma paradinha e tomar um trago comigo em algum lugar? - perguntei. Mas não me respondeu. Acho que ainda estava pensando. De qualquer maneira, perguntei de novo. Era um sujeito um bocado simpático. Muito divertido e tudo.

- Não tenho tempo pra andar bebendo, ô meu. E, afinal, qual é a tua idade, hem? Por que é que você já não está dormindo a esta hora?
- Não estou cansado.

Quando desci na frente do Ernie's e paguei a corrida, o tal Horwitz puxou o assunto do peixe outra vez. O troço não saía mesmo da cabeça do homenzinho.

- Escuta. Se você fosse um peixe, a Natureza ia tomar conta de você, não ia? É ou não é? Ou você acha que tudo quanto é peixe morre quando chega o inverno, hem?
- Não, mas...
- É claro que não, pomba - ele falou, e arrancou com o carro como se fosse o diabo fugindo da cruz.

Era um dos sujeitos mais invocados que eu encontrei até hoje na minha vida. Tudo que a gente dizia deixava ele furioso.

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