sábado, 21 de fevereiro de 2015

O Homem Comum Está Cansado e Assustado, E Um Homem Cansado E Assustado Não Pode Ter Ideias. Precisa Comprar Comida Para Sua Família*


Tem noites que fico acordado, pensando que caminho dar a meus textos ou como divulga-los ou como publica-los. Imagino cenários, crio contextos possíveis para minhas histórias, poemas, rascunhos. Às vezes, sou um sucesso, noutras um desastre. Não tenho muita pretensão com as coisas que escrevo. Também não quero ser hipócrita em dizer que sou indiferente ao que os outros pensam.

É gostoso ficar delirando. É gostoso viver na Literatura, não de Literatura, como tem uns que vivem por aí. O problema é a realidade. A Caixa Econômica Federal vai cobrar a hipoteca – durante 35 anos, todo o dia 24. E a Literatura não contribuirá em nada para amortizar a dívida.

Então, estico o braço em direção ao criado mudo e tento alcançar o relógio. Se ligar o abajur, vou acordar minha companheira que nada tem a ver com meus delírios. São cinco da manhã. Em uma hora, estarei de pé e pronto para um dia cansativo de trabalho.

Bato o ponto, sigo as instruções da chefia e tento não criar inimizade com ninguém. Durante esse tempo, eu sei, a Literatura será fugidia, virá – se conseguir ultrapassar a casca estúpida da rotina – em flashes, como espasmos involuntários.

É certo que vou me arrepender – da mesma forma que meu avô se arrependeu em não ter sido voluntário na Segunda Guerra – por não estar pronto para ela. O somatório de culpas será muito dolorido, afinal, não terei papel e caneta e condições para registrar.

E como eram ótimas todas aquelas sacadas. Que belos livros dariam!

Meu receio é que as ideias nunca mais retornem e a Literatura – como aquela garota que deixei na porta do ônibus naquele final de tarde de domingo – perca a paciência e desista de tudo.

Nessas e noutras bobagens que fico pensando, nas noites que fico acordado.

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* O título é citação de um trecho do romance O Longo Adeus, de Raymond Chandler.

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