domingo, 2 de novembro de 2014

Trecho de um Futuro Conto

O segundo livro - O Ano dos Mortos - ainda não saiu. Mas não posso me dar ao luxo de não seguir em frente. Separei um trecho de um conto que estou trabalhando. Talvez, para um terceiro livro. O conto e o livro ainda não tem título.

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Você assistiu a muitos filmes de Hollywood e acreditou que beber e fumar te deixaria mais sexy, porque os personagens fazem isso o tempo todo e recebem uma atenção significativa das mulheres. Então, você vai lá: bebe e fuma. Repete a equação algumas vezes, mas sem resultado algum. Até o momento em que – eu estou resumindo a história – você senta sozinho em um bar. E essa triste cena se repete também. Pois o mais triste seria ficar em casa – ainda mais depois que você entregou os gatos para adoção e cancelou a TV por assinatura – quase todos os canais eram de culinária. Um dia, uma mulher se aproxima e pergunta se você tem fogo. Sim, lógico que você tem. Você faz um gesto ágil em seu Zippo falsificado e uma labareda surge e ilumina por pouco tempo o lugar. Depois, ela lhe pede uma bebida. É tudo muito estranho. Isso raramente aconteceu, pois você não está em Hollywood. Você já bebeu e fumou o suficiente para não cair nesse truque. Você está mais gordo e com uma péssima dentição. Sua pele não está boa. Só em Hollywood que os homens pisam fundo e ainda mantém os braços musculosos e barriga em dia. Você retorna a mulher. Não prestou atenção em quase nada do que ela falou. Algumas palavras soltas, apenas. Cocaína, meu ex-marido, meu filho está com minha mãe, essa cidade é uma merda... Você só balança a cabeça, dá umas bicadas em seu copo, dobra as sobrancelhas ou oferece sorrisos curtos. Se fosse em Hollywood, ela seria uma espécie de modelo fracassada e você aparentemente teria sorte em encontrá-la. Mas seria só uma isca. Depois das primeiras noites tórridas de sexo – em Hollywood o sexo é sempre quente –, vocês viveriam em guerra. Ela teria outros. Você, outras. Os dois teriam ciúmes. Seria uma barra, seria doentio. O final do filme seria uma fuga, deixando pequenos delitos ou crimes para trás. Você guardaria umas novas cicatrizes, que só trariam orgulho pra você – nem cicatrizes de guerra são mais motivo de orgulho, as de briga então... Ela, a personagem secundária, seguiria do ponto onde lhe encontrou. E, certamente, outro a acolheria. A resposta para tudo isso, ou a moral, pouco importaria. Seria só uma breve história sem redenção alguma. Uma parábola onde os personagens se ferem por serem solitários e não encontrarem respostas. Afinal, quem tem pretensão em tê-las? Você acorda do transe que foi assistir a esse “filme b” e ri de toda essa bobagem. Ela, que estava falando sobre como as crianças sabem ser cruéis, usando como exemplo seu filho de cinco anos que a chamou de puta na frente de toda a família em uma noite Natal, se surpreende com sua alegria repentina. Você se desculpa e diz que pensou numa besteira, numa piada. Ela quer saber o que é. Diz que ficou muito curiosa e também quer rir. Você pergunta se ela não quer seguir a conversa na sua casa. Lá você conta o que te fez rir. Ela aceita o convite. Fala que está ansiosa para ouvir a tal piada. Na verdade, você não sabe contar uma sequer, mas tem noites que vale a pena arriscar. 

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