terça-feira, 21 de outubro de 2014

Entrevista na Revista Mamíferos

Fui o entrevistado da revista Mamíferos. Falei com o escritor Diego Moraes sobre futebol, Literatura e solidão. Sugiro que acompanhem essa revista. Tem muita gente boa e entrevistas bacanas.

Foi assim:

DIEGO MORAES - Você é um zagueiro de várzea. Sonhou em jogar no Inter? O que não realizamos na infância vira literatura. Pretende escrever um romance futebolístico um dia?

LUCAS BARROSO - Na verdade, não fui jogador porque ninguém me levou para um time, para ser testado. Tem muito cara pior que eu jogando por aí. Outra: Jóbson e Adriano Imperador seriam escoteiros se eu tivesse sido jogador. Amo o Inter. Mas o Inter não me merece mais. Tá muito elitizado. Fui num jogo, no Beira-Rio novo, e não vi mais aquele povão. Não tinha aquela vibração. Parecia um teatro. Parecia um monólogo do Melamed. Futebol tá chato pra cacete… Não me motiva a escrever sobre.

DIEGO MORAES - Quando começou esse lance de escrever? De fazer literatura. No curso de Jornalismo?

LUCAS BARROSO - Começou quando li a série Vagalume, na escola Ana Neri. A biblioteca de madeira devia ter uns 30 livros (se tinha!) e 50% era da coleção. Os professores me empurraram Machado, Eça, Bandeira, Camões… Sabe o que é uma criança ler Camões? É traumatizante. Até hoje, quando vejo algo sobre Camões sinto calafrios. Não tenho medo de cobra, mas tenho de Camões… Também passei por Nelson Rodrigues, que dava na televisão. Aquelas atrizes todas peladas. Até hoje, lembro dos peitos da Gabriela Duarte. Fui atrás dos livros e enlouqueci. Era aquilo. Acho que o Jornalismo só potencializou o que me interessa, que é contar história. No segundo grau, estava em dúvida entre Jornalismo e Letras. Contei isso pra professora e ela disse que optou por Letras e a vida dela acabou sendo uma merda… 


DIEGO MORAES - Jornalismo é literatura? Você mente fazendo jornalismo? Existe uma linha muito tênue que separa jornalismo de literatura, não? Conheço gente que lê jornais como ficção. Dá pra acreditar no que é lido nos jornais?

LUCAS BARROSO - Jornalista sempre pode mentir em legítima defesa. E tem, ou tinha, boa-fé pra isso. Esse é o perigo. Mas acho que Jornalismo é contar histórias mentindo menos possível. Esse lance de verdade é cascata. Quantas verdades existem por aí? Cada um escolhe a sua, no final das contas. Por isso, não dá para acreditar em tudo que sai. Jornalismo, na real, é como salsicha: se você descobre como é feito, não consome mais.

DIEGO MORAES - Você publicou “Virose” pela editora Bartlebee. Um romance rápido que pode ser muito bem adaptado para cinema. Já pensou em escrever roteiros? Sacou que seu romance de estreia tem uma pegada cinematográfica?

LUCAS BARROSO - Virose é um filme que deu errado e acabou virando livro. Acho que o ritmo dele vem do cinema. Aliás, quem trabalha com cinema está de bobeira em não adaptá-lo. Escrevo roteiros, comerciais, jingles, músicas, tele-novelas… Queria muito ter escrito uma novela para a Manchete. Mas como não tenho ninguém para potencializá-los, acabo fingindo que é Literatura.

DIEGO MORAES - Cite 5 autores que considera indispensáveis para quem deseja se aventurar no caminho da literatura.

LUCAS BARROSO - De supetão, sem pensar muito: Albert Camus, Campos de Carvalho, Nelson Rodrigues, John Fante e Elmore Leonard.

DIEGO MORAES - O programa do Gil Gomes, os vídeos do Alborghetti no youtube e Rubem Fonseca ajudaram na construção narrativa do seu romance?

LUCAS BARROSO - Gil Gomes mais que os outros citados. Nasci nos 80. Fui criado pela televisão. Acordava com a Mara Maravilha e ia dormir com a Emmanuelle, no Cine Privê.

DIEGO MORAES - Um trecho do seu romance diz o seguinte: “Dizem que o inferno é uma sala vazia com uma grande janela que dá para o céu. Mortos ficam amontoados, uma porção de homens ruins, a eles só resta admirar a paisagem. De pé, sem terem para onde ir, com os olhos sem piscar, mantêm-se vidrados no paraíso. Só existe o paraíso, nada além dos terrenos de Deus. E os dias não têm fim. E os dias não têm fim…” é isso mesmo? Os dias não tem fim no paraíso? Se aqui for o paraíso? Você não tem a ideia que os dias na terra são intermináveis? Sem fim?

LUCAS BARROSO - O dia que ganhei uma Caloicross verde com banco de plástico e sai pedalando pela Avenida Farrapos, o dia que pisei fora do hospital depois de ficar um mês internado e sentir o Sol rachando minha cara, o dia que brochei com aquela mulher que valia a pena, o dia que minha Vó me levou no zoológico e, na volta, fez um bife a milanesa com batata frita… Nenhum deles teve fim.  É assim que vejo as coisas.

DIEGO MORAES - Alguém acredita na sua literatura além do teu pai, mãe e esposa?

LUCAS BARROSO - Ninguém acredita. No fundo, nem eles, porque minha Literatura é um incômodo até pra mim. Minha Literatura é uma teimosia de quem quer dar uma rasteira em Deus.

DIEGO MORAES - Sabemos que é muito difícil ser escritor hoje em dia. Mais foda ainda é ser reconhecido e ganhar alguma grana com isso. Você mora num estado onde reina panelinhas e rola mais boçalidade, pose e badalação que literatura. Tem como ganhar leitores sem desfilar em feiras literárias, puxar saco de jornalistas trampando em jornais de grande circulação e criadores de Antologias?

LUCAS BARROSO - Não tem como. Porto Alegre tem uma cena. Tem público, imprensa, feira e concursos literários. Mas, na real, são meia-dúzia que fazem acontecer. E se você não for indicado por essa meia-dúzia não rola.

DIEGO MORAES - Fabricio Carpinejar ou Diego Moraes?

LUCAS BARROSO - Diego Moraes, sem dúvida. Foi por causa de Diego Moraes que descobri minha editora. Então, esse cara já tem uma cruz pra carregar. Acompanhei o início da carreira do Carpinejar. Tinham coisas legais. Mas chegou um momento que ele virou um bobo da corte, e totalmente sem graça. Depois, virou conselheiro amoroso. Agora, nem sei qual é a dele. Larguei de mão. Diego Moraes não tem pretensão de ensinar nada pra ninguém.

DIEGO MORAES - Escrever no teu caso é vicio, vingança ou Hobby de peão de redação de jornal?

LUCAS BARROSO - Escrever é revolta com Deus, que me deu vida e um dia, sem mais, vai me tirar. Escrevo porque fracassei no jornalismo, no futebol, com as mulheres… Só quem me aceita, como sou, é a Literatura.

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A entrevista originalmente publicada aqui:
http://mamiferosblog.tumblr.com/post/100586686418/entrevista-com-lucas-barroso