sexta-feira, 29 de maio de 2020
Pérolas negacionistas da quarentena
A perspectiva é assustadora. O Brasil ultrapassou as 25 mil mortes e 400 mil infectados pelo novo coronavírus. Infelizmente, mesmo após mais de dois meses em estado de calamidade pública (desde 20 de março, data da publicação do decreto federal), vivendo na popular quarentena – ou isolamento social, ou distanciamento, ou até mesmo lockdown em certas regiões – devido à pandemia, o país se tornou o epicentro da Covid-19, conforme divulgou a Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 22 de maio. O Sistema Único de Saúde (SUS) colapsou em alguns estados. Mortos são, diariamente, enterrados em valas comuns.
As causas para esse quadro são diversas. Cabe apontar algumas delas. Desde o princípio, em janeiro, quando só havia casos registrados em Wuhan, na China, o governo federal acionou o modo negação, deixando o planejamento em segundo plano. Foram dezenas (e continuam…) de falas absurdas do presidente Jair Bolsonaro ("Não é isso tudo", "Gripezinha ou resfriadinho", "Brasileiro não pega nada!", "Eu não sou coveiro", "O vírus está indo embora", “É uma histeria", "Sou Messias, mas não faço milagre", "E daí, quer que eu faça o quê?”, "Todo mundo vai morrer, um dia"), ações irresponsáveis como a abortada campanha #BrasilNãoPodeParar, a saída de dois ministros da Saúde, o descompasso e a falta de diálogo com governadores, assim como a ausência de um plano estruturante nas áreas de Saúde e Economia. Um completo desastre de gestão pública.
A nossa maior chaga também está presente. Pululam casos de corrupção. Em administrações estaduais e municipais, o Ministério Público identificou aquisição superfaturada de equipamentos para o combate ao coronavírus, desvios de verbas da máquina pública para outros fins, entre outros escândalos.
Como se não bastasse, temos a insistência de uma grande parcela da população em não levar o vírus a sério (influenciadas por quem será?), promovendo aglomerações, abrindo comércio onde não é permitido e teimando em não usar máscaras de proteção. Tudo em nome de uma pretensa liberdade. Um discurso batido e cansativo. O mesmo que ouvimos quando foi aprovada a Lei Seca, que proíbe aos motoristas dirigir depois de beber álcool. O bebum se acidentava, ou era parado numa blitz, e soltava o clássico “É um direito meu! Se eu quiser beber, eu bebo”.
Somada a isso, uma fábrica fumegante de produção em massa de fake news polui o nosso ar e o deixa irrespirável. As mentiras se dissipam em grupos de WhatsApp e nas tais “mídias alternativas” (uma praga que não vem de agora). O resultado? Polarização e embates diários. Uma grande energia é gasta para desmentir factoides sem pé nem cabeça. O governo federal, é claro, não poderia ficar de fora dessa. No dia 20 de maio, o Ministério da Saúde ampliou o acesso de pacientes, nos primeiros dias de sintomas, à cloroquina, uma medicação até o momento sem nenhuma eficácia comprovada para a Covid-19. É a oficialização das fake news!
Mas o melhor, e o pior, desse cenário grotesco são os pensamentos originais de pessoas que ultrapassaram o nível da negação e atingiram o de delírio. Uma espécie de estado mental zumbi, só que com uma brecha para a, digamos assim, “criatividade” em propor soluções e/ou identificar complôs ativos durante a pandemia. Separei para vocês algumas dessas pérolas que pesquei no WhatsApp (sim, eu não saio dos grupos, sou do tipo que lê tudo):
"O brasileiro é mais resistente. Aqui vai morrer menos gente"
"Tem que liberar o isolamento no começo, para as pessoas criarem anticorpos"
"O governador está quebrando a economia para se reeleger"
"A quarentena só serviu para destruir empresas"
"Para mim, está provado que a quarentena mata mais"
"Se tu for ver, dez mil, em menos de dois meses, são poucas mortes"
"Morreram muito mais de H1N1 no Brasil e ninguém falou nada"
"Os hospitais estão vazios"
"Tem milhares de pessoas morrendo porque não vão ao hospital"
"Vão esperar morrer mais gente só porque a cloroquina não tem homologação da OMS?"
"Milhares de mortes poderiam ser evitadas se não fosse o complô da indústria farmacêutica que é contra a cloroquina, um remédio com patente brasileira"
"Obrigar as pessoas a usarem máscara é tirania"
"Se tudo fosse liberado desde o começo, quem garante que teria mais mortes?"
"Sem liberdade, estamos vivendo exatamente como viviam durante o comunismo"
“Cadê as notícias positivas? A maioria se cura ou nem pega esse coronavírus. Isso, sim, deveria ser manchete”
E tem muito mais. Como dizia a ufanista marchinha da Copa do Mundo de 1958: "Com brasileiro, não há quem possa!".
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Texto publicado originalmente no site Mínimo Múltiplo.
sexta-feira, 15 de maio de 2020
Um Gato que Se Chamava Rex no jornal Zero Hora
Um Gato que se Chamava Rex é uma das dicas de leitura para as crianças na matéria assinada por Ticiano Osório ("15 livros que lemos com as crianças lá em casa"), no Segundo Caderno, do jornal Zero Hora.
Matéria completa no link https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/ticiano-osorio/noticia/2020/05/15-livros-que-lemos-com-as-criancas-la-em-casa-cka70reqn001g015n8efrje46.html
sexta-feira, 8 de maio de 2020
Trecho de O Invasor, de Marçal Aquino
Uma histerectomia pôs fim ao sonho de Cecília ser mãe. E, a partir daí, alguma coisa se rompeu entre nós. Ela pareceu ter perdido o viço, a força que me atraíra quando a conheci. Tornou-se uma mulher frágil e se contentou com o papel de coadjuvante, sem direito a muitas falas, na farsa que passamos a encenar.
Às vezes, ainda trepávamos – é impróprio dizer que fazíamos amor.
Houve um momento em que eu e Cecília percebemos que nossa relação estava morta. Mas nenhum de nós reagiu. Há certos cadáveres que, por razões que ignoramos, não se decompõem. E não havendo mau cheiro que incomode os vizinhos, não há necessidade de chamar o IML.
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Trecho de O Invasor, de Marçal Aquino (romance, Cia das Letras, 2011)
quinta-feira, 7 de maio de 2020
A voz do Rio Grande - José Claudio Machado
1948 - 2011 |
Qual a sua lembrança de infância mais remota?
Quando eu tinha uns 10 anos e montava em um petiço. As senhoras que tiravam leite lá fora, em Tapes, pediam para montar no petiço para buscar as vacas.
Qual seu maior ídolo na adolescência?
Eu gostava muito do Teixeirinha, porque é uma pessoa que marcou época. Fora da música, gostava do ator Roy Rogers. Na política, o nome mais forte era Getúlio Vargas.
Onde passou férias inesquecíveis?
As férias que passei em São Lourenço, na casa de meu irmão, Nilton Roberto Machado, há uns quatro anos. É o meu único irmão (ele tem mais três irmãs). Ele é marinheiro e passa mais tempo no mar do que em terra.
Qual sua idéia de domingo perfeito?
Estar em casa com minha família e poder fazer um churrasco. A carne que eu gosto é de costela da ripa e carne de ovelha. Tendo ovelha é especial.
O que faz para espantar a tristeza?
É difícil espantar. Tu só espantas quando tu vês um amigo. Conversando com amigos a gente espanta a tristeza.
Que som acalma você?
Uma música gaúcha de bom nível. Na verdade, pode ser de qualquer gênero, mas tem de ter bom nível.
O que dispara seu lado consumista?
Carne. Chego no açougue, vejo um pedaço de carne, tenho de comprar, não me seguro. E tem um detalhe: como pouca carne. Eu guardo no freezer e ofereço para as minhas visitas.
Qual a palavra mais bonita da língua portuguesa?
Tem tantas, mas acho que amor, porque amor é tudo, é respeito, é carinho é paixão, é amizade.
Que livro você mais cita?
Sidarta, de Hermann Hesse.
Que filme você sempre quer rever?
Gosto de filme de faroeste e musical, mas não dá para citar um em especial.
Que música não sai da sua cabeça?
Milonga Abaixo do Mau Tempo. Estou sempre pensando nela porque, se facilitar, esqueço um pouco do trecho e isso fica feio em um show.
Um gosto inusitado.
Volta e meia eu vestia uma calça e saía de calça e sapato, o que é fora do meu dia-a-dia. A calça é mais cômoda do que a bombacha, porque com ela não preciso andar de bota.
Um hábito de que você não abre mão.
Tenho mania de, ao acordar, sentar na cama e ficar um tempo pensando. Também tenho mania de pontualidade.
Um hábito de que você quer se livrar.
O meu cafezinho de manhã e o meu cigarro. Estou tentando me livrar.
Um elogio inesquecível.
Aquele crítico de música Fernando Pamplona disse ao Patinete (Ayrton dos Anjos) que um intérprete como eu nascia de cem em cem anos.
Em que situação vale a pena mentir?
A pior coisa que tem é mentir. Quando é de brincadeira até passa, mas a mentira nunca vai adiante.
Em que situação você perde a elegância?
Procuro me controlar ao máximo. É difícil. Só se a pessoa me agredir fisicamente.
Em que outra profissão consegue se imaginar?
Vejo-me como um mecânico. Até sei alguma coisinha. Dá para o gasto.
O que estará fazendo em 10 anos?
Só Deus sabe.
Eu sou...
Uma pessoa comum, que gosta de cantar.
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Entrevista publicada originalmente em Zero Hora, em 23 de dezembro de 2007.
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terça-feira, 5 de maio de 2020
O Tempo Já Não Importa - Livro Disponível
Olhando em perspectiva, acho que escrever é uma forma de mostrar que sou capaz. Ninguém me desafiou a nada. Ninguém disse que eu não poderia. É só um confronto constante com a solidão, alguns medos e a indiferença dos outros. Então, publiquei alguns livros. Um romance, um de contos, um infantil e agora poesia.
O Tempo Já Não Importa sai pela Editora Artes & Ecos. São 53 poemas. Minha ideia não foi fazer apenas uma compilação do tipo "melhores poemas". Eu queria, desde o começo, que tudo tivesse uma conexão, que os versos conversassem e a leitura acontecesse de forma fluída. Na verdade, é isso que penso sempre, porque não suporto textos herméticos, nem didáticos demais. É uma postura da qual não abro mão.
Não sei se fui feliz com o resultado do livro, mas foram essas coisas tentei transmitir. Agradeço ao editor Lucas Krüger pela acolhida e parceria. O livro está disponível no site da Artes & Ecos ou direto comigo.
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