segunda-feira, 29 de julho de 2019

O Guri e a Mendiga


Fim de semana é de lei. Pego meu guri, o Murilo, coloco na motoca e vamos circular pelo bairro. Pegar Sol, ver coisas diferentes, bichos, árvores, gente. Quem cruza nossa caminhada dá um sorriso, puxa uma conversa. O gurizinho geralmente não dá atenção aos desconhecidos simpáticos. Prefere interagir com cachorros, folhas de árvores ou sacos plásticos.

Dessa vez, estávamos na avenida Protásio Alves e uma mendiga escalavrada, fedendo, fumando bituca nos parou. Por mera educação, parei também.

- Que lindinho! – ela disse.

Sorri sem jeito. A mulher não teve coragem de se aproximar ou tocá-lo. Murilo abanou, bateu palmas e falou algo em sua língua de pequeno selvagem. Tudo ao mesmo tempo.

A mendiga riu com sua boca em frangalhos e seguiu, caminhando de ré, olhando o guri e abanando de volta. Continuamos pela avenida e Murilo foi mais uns metros da mesma forma: se despedindo da mulher.

Eu pensei, "tadinho, ainda não sabe nada da vida". Mas, ao longo do caminho, tive a impressão que nós, os adultos, que sabemos cada vez menos.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Os Casais no Restaurante


Eu vejo alguns filmes e sinto saudade de quando eu era garçom. Os personagens ficam com suas DRs intermináveis, fazendo caretas tristes e repetindo os mesmos clichês - "você não me quer mais, é isso?" ou "a cada dia que passa, te reconheço menos" ou "a gente perdeu a intimidade" ou "não faz mais sentido seguirmos assim". Blá blá blá blá... Como telespectador simplesmente não posso fazer nada que mude o rumo da história, tenho que esperar a próxima cena ou dar stop e desistir.

Quando eu era garçom era diferente. O princípio da DR dos clientes era sempre extasiante pra mim, porque havia um gatilho. Era geralmente ciúme ou a fatídica conversa de fim da relação. Só que, como disse, a coisa ficava entediante. Então, eu me aproximava e intervinha.

- Como estão as coisas aqui, pessoal? Vai mais um chopp? Querem uma sugestão de sobremesa?

Era um baque. Eles perdiam o fio da meada. Existia um mundo ao redor deles. Alguns, pediam qualquer coisa para eu sair dali. Outros, caiam em si, respiravam fundo e pegavam o cardápio. Acabei com muitas DRs só na base do atendimento circunstancial.

Claro, tinha o outro lado da moeda. Os casais recentes com o fogo em brasa. Podia-se erguer todas as cadeiras sobre as mesas e eles seguiam lá, com seus risinhos, beijinhos melosos e picardias. Tudo isso às 1h. E garçom não pode ir embora enquanto tiver cliente no salão. Obviamente, eu ia lá e interrompia também.

- Querem mais alguma coisa aqui, gente? Um chopp? Mais uma sobremesa, quem sabe? Ah, só pra avisar que desligamos a chapa. Não temos mais como preparar nada.

- Tudo bem, campeão! Nem te estressa. Traz mais um chopp pra nós.

Nesse caso, me atravessar na conversa alheia era pior dos mundos, porque eles seguiam no restaurante. E isso significava que eu só ia pra casa madrugada adentro, esperando mais de uma hora na parada a porcaria do ônibus Corujão.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Ferrugem



Depois de três livros, não tenho mais aquela ânsia de concluir algo. Aquela energia em excesso ficou para trás. Ainda gosto da inspiração e não desperdiço lampejos. Sigo registrando tudo que me é novo, como um turista japonês com sua insuportável câmera fotográfica.

Mas esse click parece pouco e, hoje, me dou ao luxo de burilar cada palavra, de desgastar cada palavra. Todo dia uma vírgula, um versinho.

Eu coloco no papel. Eu espero. Faço um mate. O texto fica lá, exposto a maresia. A ferrugem tomando conta. Até que o conjunto todo, o tal livro, começa a ter sentido.