Texto de abertura do livro Um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos (Contos, Editora José Olympio, 2011). Uma breve autobiografia de José Cândido de Carvalho.
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Quanto à ficção, é mato brabo no qual rarissimamente circulo,
temente que sou de mordida de cobra e dente de lobisomem. Vejam que não
exagero. Publiquei o primeiro livro em 1939, e o segundo, precisamente 25 anos
depois. Entre Olha para o céu, Frederico! e O coronel e o lobisomem o mundo
mudou de roupa e penteado. Apareceu o imposto de renda, apareceu Adolf Hitler e
o enfarte apareceu. Veio a bomba atômica, veio o transplante. E a lua deixou de
ser dos namorados. Sobrevivi a todas essas catástrofes. E agora, não tendo mais
o que inventar, inventaram a tal poluição, que é a doença própria de máquinas e
parafusos. Que mata os verdes da terra e o azul do céu. Esse tempo não foi
feito pra mim. Um dia não vai haver mais azul, não vai haver mais pássaros e
rosas. Vão trocar o sabiá pelo computador. Estou certo de que esse monstro,
feito de mil astúcias e mil ferrinhos, não leva em consideração o canto do galo
nem o brotar das madrugadas. Um mundo assim, primo, não está mais por conta de
Deus. Já está agindo por conta própria.
Niterói, setembro de 1970.
José Cândido de Carvalho
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