segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Eu sou um dos imbecis do Umberto Eco


Primeiramente, glória a Deus e à Internet.

Explico.

Partindo do pressuposto que não sou dinheiro para que todos gostem de mim e que, segundo Umberto Eco, "as redes sociais deram voz aos imbecis", concluo que sou um desses que ganharam a tal voz.

Porque, para alguém que não gosta de mim, das minhas opiniões, do meu texto, evidentemente, eu sou um imbecil. Um asno completo, que deveria se calar ou se recolher a sua insignificância. As redes geram essa ira, essa dicotomia, essa sandice. Quem não gosta fica fulo. Assim deve ter acontecido com Eco, antes de talhar a tese.

Minto.

As redes não geram nada. Mas isso é outro assunto.

Que sou um imbecil, portanto, é fato. Mas não me calo, tampouco me recolho, pois as redes sociais deram voz aos imbecis. E como todo bom néscio, levo frases de intelectuais e filósofos ao pé da letra, não preciso ler mais que uma máxima ou manchete para saber e, prontamente, contrapor. Já se eu concordar, compartilho.

Para tipos como eu, que afrontam Umberto Eco, Lênin cunhou: "A liberdade é uma coisa tão preciosa que deveria ser racionada".

E Lênin deve ter dito isso a sério.

Como foi comentado, mais de uma vez, eu tenho ciência em qual categoria me enquadro. Contudo, há quem me defenda. "Heresia é apenas um outro nome para liberdade de pensamento", cravou Graham Greene.

Ou seja, além de tudo, sou um tipo de burro que blasfema. O primeiro comentário desse texto será "Quem você pensa que é para questionar Umberto Eco?".

Eu já disse. E acrescento o seguinte.

Hoje, parece um saco essa avalanche de gente que fala pelos cotovelos. Porém, recordar é viver. Mesmo que ninguém se lembre mais, é preciso afirmar veementemente que era muito mais chato viver em "silêncio". Dependíamos apenas da figura onipotente do formador de opinião ou do veículo de imprensa para nos sentirmos ouvidos e representados.

Aos saudosos, aos inconformados, eu sugiro.

Ainda existe a possibilidade de não ler o que não se gosta nas tais redes (opções bloquear, desfazer amizade, silenciar) ou de seguir consumindo tal formador de opinião. Ele ainda existe. Tem jornais, revistas, rádios e TVs por aí. De tudo que é lado, vertente, ideologia. Tem gente boa produzindo nesses meios.

Em último caso, dá para usar o computador só para responder e mandar emails, entrar no site do jornal preferido ou ver pornografia. Também é possível utilizar o telefone celular para as mesmas funcionalidades do computador ou, pasmem!, só para fazer e receber ligações.

Mas.

Quem não suporta o ruído dos tolos não se conforma. Além de se escorar na frase-tese de Eco, eleva o tom e aponta o dedo, alertando ou acusando as fake news. Um grito em comunhão com a mídia tradicional, que está em uma cruzada contra essa prática.

E onde as notícias falsas se propagam?

Nas redes. Bingo! Achamos os culpados. Os imbecis. Entretanto, sabemos que não é bem assim. A moeda tem outro lado. E a mídia tradicional tem seus interesses e usa e abusa de sofismas (sendo até conivente com alguns casos) para alavancar/destruir reputações e se vender como relevante. Daí, não é fake news, logicamente. "Veja bem, erros acontecem...".

Sei.

Sobre isso, o jornalista americano A.J Liebling sentenciou."As pessoas não param de confundir com notícias o que lêem nos jornais".

Eu sei que não podemos levar frases ao pé da letra, não é mesmo? E também não vamos demonizar ninguém, por favor.

Voltando ao que interessa.

Deixa quem gosta de palpitar, palpitar. A plataforma, ou os meios, nesse caso, não tem culpa de nada.

Enfim. Eu vou na fé.

Como eu gosto de escrever minhas coisinhas e ler outras tantas, de amigos e inimigos, nas poucas preces que faço, aquelas das noites de leve desespero, eu fecho os olhos e tento não reclamar nem pedir demais e sempre, ao fim e ao cabo, agradecer a minha saúde, de minha família e a internet por me dar esse espacinho para falar minhas bobagens.

Amém.

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P.S.: Se mesmo assim, eu estiver errado, sei que "Deus me perdoará. É a sua profissão" (Heinrich Heine).

Fora o aforismo de Umberto Eco, os demais foram extraídos do livro de citações O Melhor do Mau Humor (edição de Ruy Castro, Companhia das Letras, 1989).

Texto originalmente publicado no site Mínimo Múltiplo.

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