Foto do autor. Primeira publicação de É Isto um Homem data de 1947 |
Trecho do livro |
Por minha sorte, fui deportado para Auschwitz só em 1944, depois
que o governo alemão, em vista da crescente escassez de mão-de-obra, resolveu
prolongar a vida média dos prisioneiros a serem eliminados, concedendo
sensíveis melhoras em seu nível de vida e suspendendo temporariamente as
matanças arbitrárias. Este meu livro, portanto, nada acrescenta, quanto a
detalhes atrozes, ao que já é bem conhecido dos leitores de todo o mundo com
referência ao tema doloroso dos campos de extermínio. Ele não foi escrito para
fazer novas denúncias; poderá, antes, fornecer documentos para um sereno estudo
de certos aspectos da alma humana. Muitos, pessoas ou povos, podem chegar a
pensar, conscientemente ou não, que "cada estrangeiro é um inimigo".
Em geral, essa convicção jaz no fundo das almas como uma infecção latente;
manifesta-se apenas em ações esporádicas e não coordenadas; não fica na origem
de um sistema de pensamento. Quando isso acontece, porém, quando o dogma não
enunciado se torna premissa maior de um silogismo, então, como último elo da
corrente, está o Campo de Extermínio. Este é o produto de uma concepção do
mundo levada às suas últimas conseqüências com uma lógica rigorosa. Enquanto a
concepção subsistir, suas conseqüências nos ameaçam. A história dos campos de
extermínio deveria ser compreendida por todos como sinistro sinal de perigo. Sou
consciente dos defeitos estruturais do livro e peço desculpas por eles. Se não
de fato, pelo menos como intenção e concepção o livro já nasceu nos dias do
Campo. A necessidade de contar "aos outros", de tornar "os
outros" participantes, alcançou entre nós, antes e depois da libertação,
caráter de impulso imediato e violento, até o ponto de competir com outras necessidades
elementares. O livro foi escrito para satisfazer essa necessidade em primeiro
lugar, portanto, com a finalidade de liberação interior. Daí, seu caráter
fragmentário: seus capítulos foram escritos não em sucessão lógica, mas por
ordem de urgência. O trabalho de ligação e fusão foi planejado posteriormente.
Acho desnecessário acrescentar que nenhum dos episódios foi fruto de
imaginação.
PRIMO LEVI
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