terça-feira, 12 de junho de 2018

Descendo a Rua da Ladeira


Uma rápida pesquisa me indicou o caminho. Rua da Ladeira. Bati o ponto. Intervalo. Dava tempo, sim. Subi a Espírito Santo a pé. Uma tarefa árdua. O forte cheiro de mijo ao lado da Catedral, esquina com a Duque de Caxias, me deixou zonzo. Na Praça da Matriz, em obras, respirei um pouco. Do alto, tudo parece mais bonito, mesmo não sendo. 

Enquanto tentava me recompor, um flanelinha me confundiu com um motorista. "Ficou bem guardado, patrão!". Desfiz o mal entendido. Cruzei a praça. Acessei a Rua da Ladeira com uma certa esperança. Um homem anão e sem braços se atravessou na calçada. Quase bloqueou meu caminho. Pediu umas moedas. Respondi mecanicamente que não tinha. O que era mentira, pois estava ali exatamente porque havia dinheiro em meu bolso. 

A bendita perdição dos sebos. Ia em busca de João Antônio. Casa de Loucos. Dez reais. Malhação do Judas Carioca. Dez reais. Ô, Copacabana! Doze reais. Malagueta, Perus e Bacanaço. Cinco reais. Leão de Chácara. Treze reais. Relíquias. Pechinchas. Achados. Somados dão o preço de um bom buffet, quiça com um chopp incluso – dois dedos de colarinho tirado na hora. 

Como pode? Um dos maiores escritores brasileiros! Assim, de barbada. Alguém que descreveu e transcreveu nossa alma sem subterfúgios, sem tiques, exatamente como somos. Alguém que morreu só. E somente depois de quinze dias, deram falta de seu corpo, já apodrecendo, em um apartamentinho. 
Então, sua obra vale um almoço. Não paga sequer um sushi em um shopping center. Não vale uma fútil iguaria gourmetizada do momento. 

Onde foi que a Literatura errou para valer tão pouco? Tomo o caminho de volta. O anão sem braços segue no mesmo lugar. Agora, encostado em uma mureta, ao lado do sebo Beco dos Livros. Dessa vez, não me pede nada. Finge que não me vê. Eu também não teria mais nada. 

Em mãos, só uma sacola cheia de livros. Repleta de histórias de pobres homens e pobres cidades, que João Antônio escreveu como ninguém.

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