segunda-feira, 9 de abril de 2018

Ezequiel Neves Quando Ouviu o Barão Vermelho Pela Primeira Vez

Ezequiel Neves, à esquerda


"Com o volume no máximo do escândalo estou ouvindo uma fita transcendental. É coisa doméstica, gravada com um microfone só, mas que arroja uma torrente de adrenalina capaz de pulverizar quarteirões. É rock puro, escrachado e demencial, imperfeito e carnívoro, trombetas selvagens anunciando o começo de um novo mundo. 

A fita é de um grupo recém-nascido, o Barão Vermelho e há a voz de Cazuza cuspindo fogo em doses avassaladoras. Minha vontade era pegar essa fita e tirar milhões de cópias. Para mim, ela está prontinha, tal e qual todos os discos que os Rolling Stones gravaram. Não tenho, nem nunca tive, certeza de nada, mas aposto neles de coração aberto.

Querem apenas tocar rock e seguir em frente, mas é justamente por quererem apenas isso que transcendem as teorias caducas e instalam sua verdade através de vozes e guitarras incendiárias. Finalmente, posso respirar. Uma nova geração está com tudo para destruir as velhas gerações, da qual faço parte.   

Os versos de Cazuza reinventam o português de forma telegráfica. Sem literatices, ridícula herança de antepassados que fazem qualquer canção um cemitério de metáforas e circunlóquios vazios. Seu recado possui a urgência das cusparadas, lâmina afiadíssima, retalhando instantes de solidão ou amor total, tudo articulado com a luminosidade dos relâmpagos. Cazuza traduz genialmente qualquer estado de espírito, nos faz lembrar que qualquer segundo pode conter uma overdose de apocalipses". 


Ezequiel Neves, após ouvir a demo tape do Barão Vermelho, no início da década de 80.

O texto foi extraído do documentário Por Que a Gente é Assim?, dirigido por Mini Kerti, de 2016. 

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