domingo, 29 de abril de 2018

Minha Carreira Literária - Roberto Bolaño


Recusado pela Anagrama, Grijalbo, Planeta, com toda certeza
também pela Alfaguara, Mondadori. Nãos da Muchnik, Seix Barral, Destino...
Todas as editoras...
Todos os leitores...
Todos os gerentes de vendas...

Debaixo da ponte, enquanto chove, uma oportunidade de ouro
de olhar para mim mesmo:
como uma cobra no Polo Norte, mas escrevendo.

Escrevendo poesia no país dos imbecis.
Escrevendo com meu filho no colo.
Escrevendo até a noite cair
com um estrondo de mil demônios.
Os demônios que me levarão ao inferno,
mas escrevendo.

ROBERTO BOLAÑO

*Tradução: Fabiano Calixto

domingo, 22 de abril de 2018

João Antônio: "Um dia desses sonhei que havia morrido e só encontraram meu corpo uma semana depois"*


"Eu acho que vai haver aqui, um problema de tempo. Conversa com João Antônio, é sempre conversa pra uma semana, até porque eu tenho tido um estilo elíptico de pensar, pelo menos quando eu expresso, quando eu verbalizo o meu pensamento. Eu queria transformar essa minha conversa com vocês, muito mais em perguntas e respostas, do que exatamente uma dicção linear minha. Me foi aventado um problema do qual eu tenho falar que é a presença de uma poética dentro da minha ficção, da minha prosa de ficção. Eu sou muito interessado nessa coisa de arte poética.

Inicialmente, eu gostaria de transformar essa nossa conversa em duas homenagens: uma a um grande músico, que é um dos grandes músicos brasileiros de todos os tempos, infelizmente muito mal conhecido, porque este país é especialista em desconhecer, e até assassinar culturalmente seus melhores filhos. Eu estou falando do maestro Ascendino Theodoro Nogueira, um dos músicos mais respeitados do Brasil, dentro da classe musical, mas que infelizmente não é conhecido neste país. E em segundo lugar eu queria também prestar uma homenagem a um homem que foi fundamental como peça pioneira, inovadora, revolucionária, dentro deste tema sobre o qual eu pretendo falar alguma e que dizem aí que eu entendo alguma coisa. Trata-se de Antônio Fraga, autor de uma novela chamada Desabrigo, pouco conhecida, muito mal distribuída, foi produzida em 1942, é uma novela curtíssima, mas na época criou uma repercussão enorme, até em homens como, por exemplo, Oswald de Andrade. O Fraga morreu recentemente e eu talvez tenha sido o único jornalista brasileiro a escrever sobre ele.

É uma figura muito curiosa porque é um autodidata, foi expulso de casa logo cedo, filho de pais pobres, nascido no centro do Rio de Janeiro, viveu no Mangue, que era a área de prostituição mais rampeira da cidade, e também mais cosmopolita, que fazia conviver desde marinheiros do mundo inteiro, com mulheres que vinham da Polônia, judias polacas ou polacas judias. Então se formou, inclusive do ponto de vista da linguagem, um elemento muito forte que o Fraga soube aproveitar.

sábado, 21 de abril de 2018

30 Grandes Discos Brasileiros dos Anos 90




segunda-feira, 16 de abril de 2018

Quatro Casos na Maternidade do Hospital Conceição

Caso 1
Um quarto é dividido por três gestantes. Cada uma tem direito a um acompanhante. Para se acomodar, esse acompanhante, o pai, a tia, a avó, a dinda, etc, tem disponível uma cadeira velha, com o couro escuro completamente corroído pelo tempo.

Nela estava João, o pai, dormindo todo atravessado. Thaís, a mãe, repousava na cama, junto da Thalita, a bebê. Até que uma funcionária da limpeza deixou cair algum objeto pesado no corredor. Era 3h, com o estouro, João se levantou e saiu em disparada.
- O que que houve homem de Deus?! Por que tu saiu correndo?! – perguntou Thaís.
- Achei que fosse um tiro.
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Caso 2
Ela tinha 17 anos e estava no seu segundo filho.
- Por que você não fez pré-natal, Jessica? – questionou a médica.
- Porque eu não queria a criança.
- Qual o motivo de não querer o filho?
- Não sei.
- Ok. Você é usuária de drogas, bebida ou algo do tipo?
- Só fumo cigarro.
- Fumou durante a gravidez?
- Antes, quando eu não queria, eu fumava bastante.
- E depois?
- Daí, eu fumei menos.

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Caso 3
Foi um parto difícil. O diagnóstico dizia que ela teve problemas no útero. Era seu sétimo filho, tinha 42 anos. O nenê, também sofreu um pouco, mas apresentava melhoras. O pequeno estava em observação, em um outro bloco. Enquanto isso, ela ficava no quarto com as demais gestantes. Mexia bastante no celular, trocava mensagens com parentes e fazia caretas de desaprovação. Até que resolveu ligar.

- Paulo, que história é essa de bater na Brenda?

- (inaudível).
- Quer dizer que só porque ela é mais velha que os outros não pode comer bolacha?
- (inaudível).
- Dinheiro pra cachaça tu tem.
- VAI PRO INFERNO!

- Ah, é! Espera eu ganhar alta e tu vai ver só!

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Caso 4
O setor de registro de recém-nascidos tinha uma fila considerável. Em média, em dez minutos, é emitida a certidão de nascimento de uma criança. Alguns pais aproveitam a alta e levam os bebês junto, orgulhosos. Um casal chamava a atenção. Levava no colo um muito maior que os demais.
- Próximo! – disse o atendente.

- Na verdade, eu vim desregistrar esse menino.
- Não entendi, senhor.
- É que eu sou o pai dele. Não a outra pessoa que o registrou.
A mãe balançava a cabeça em concordância com a afirmação.
- Então, o senhor quer alterar a paternidade. É isso?
- Sim. Tô aqui com o DNA para provar. Ó! – e apontou para o papel.
- Mas aqui é só registro mesmo. Para mudar, o senhor vai ter que ir em um Fórum. Na sua cidade tem Fórum?
- Deve ter. Se não tiver, eu dou um jeito. Esse filho é meu.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Com Rancor,


Depois de vinte anos, ela não parecia bem conservada. Também parecia um tanto enfadada e infeliz e seu marido era definitivamente um homem feio.

Quando tínhamos por volta de 14 anos, ela foi bem clara comigo.

- Deus que me perdoe! Teu pai tem um Fuquinha. Tu anda de Fuquinha.

Agora, ela estava no caixa do Big extornando uns produtos porque não tinha dinheiro suficiente. Atrasava os demais clientes e já começava a ouvir desaforos.

Eu, no caixa ao lado, pedi para o empacador ir mais devagar. Mantinha os olhos fixos nela. Até que percebi que fui visto.

Ela viu que eu ria daquilo tudo.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Ezequiel Neves Quando Ouviu o Barão Vermelho Pela Primeira Vez

Ezequiel Neves, à esquerda


"Com o volume no máximo do escândalo estou ouvindo uma fita transcendental. É coisa doméstica, gravada com um microfone só, mas que arroja uma torrente de adrenalina capaz de pulverizar quarteirões. É rock puro, escrachado e demencial, imperfeito e carnívoro, trombetas selvagens anunciando o começo de um novo mundo. 

A fita é de um grupo recém-nascido, o Barão Vermelho e há a voz de Cazuza cuspindo fogo em doses avassaladoras. Minha vontade era pegar essa fita e tirar milhões de cópias. Para mim, ela está prontinha, tal e qual todos os discos que os Rolling Stones gravaram. Não tenho, nem nunca tive, certeza de nada, mas aposto neles de coração aberto.

Querem apenas tocar rock e seguir em frente, mas é justamente por quererem apenas isso que transcendem as teorias caducas e instalam sua verdade através de vozes e guitarras incendiárias. Finalmente, posso respirar. Uma nova geração está com tudo para destruir as velhas gerações, da qual faço parte.   

Os versos de Cazuza reinventam o português de forma telegráfica. Sem literatices, ridícula herança de antepassados que fazem qualquer canção um cemitério de metáforas e circunlóquios vazios. Seu recado possui a urgência das cusparadas, lâmina afiadíssima, retalhando instantes de solidão ou amor total, tudo articulado com a luminosidade dos relâmpagos. Cazuza traduz genialmente qualquer estado de espírito, nos faz lembrar que qualquer segundo pode conter uma overdose de apocalipses". 


Ezequiel Neves, após ouvir a demo tape do Barão Vermelho, no início da década de 80.

O texto foi extraído do documentário Por Que a Gente é Assim?, dirigido por Mini Kerti, de 2016. 

domingo, 8 de abril de 2018

O Silêncio Era Tão Perigoso Quanto a Escuridão


Ela, segundo a ampla experiência de Sears, era do tipo de mulher cujo vestíbulo estava sempre em desordem. Era do tipo de mulher que sempre se esquecia de comprar laranjas. Quando acordava com Renée nos braços, percebia que a primeira coisa que havia a fazer era vestir as calças e sair para comprar frutas. Ela era do tipo que, assim que entrava no próprio apartamento, primeiro ligava as luzes e depois a vitrola. Na primeira vez que ele viera à casa dela, estava tocando música, que continuaria tocando depois de ele se ter ido e ter sido esquecido. Ele sabia, pela sua experiência, que o silêncio – a ausência de música – era para alguns homens e mulheres tão perigoso quanto a escuridão. Parecia uma autêntica necessidade, como as proteínas e o açúcar, mas no caso de Sears a música contínua representava um problema que ele jamais enfrentara antes. Certa noite, enquanto faziam amor, estava tocando um concerto para piano romântico, que se encerrava com uma série de clímax vigoroso, artificiais e vulcânicos. Sempre que o pianista ameaçava chegar ao auge da sequência, descia outra vez, cobrindo toda a gama de oitava baixas, para depois tornar a subir e Sears imitava-o. Renée acabou perguntando, com a maior ternura:

- Você não vai gozar?
- Estou esperando o pianista – Sears respondeu. Foi o que aconteceu: ambos terminaram ao mesmo tempo. Ele jamais soube se ela o havia compreendido ou não.


Trecho de Até Parece o Paraíso, romance de John Cheever.

Mais sobre o autor nesse link.