segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
Em Um Bar Da Zona Norte
Mesmo homens calejados de quase quarenta, cinquenta ou beirando os sessenta sentem a barra. Ainda mais bebendo. Porque o trago sensibiliza demais as pessoas. E foi num momento de alto teor alcoólico que alguém decidiu colocar a caixa de som para fora do bar, na calçada, com o disco da Marília Mendonça.
Não demorou muito e o primeiro começou a chorar. Saudade da ex-mulher. Ela foi embora porque ele “não prestava”. O segundo foi consolar o amigo e desabou também. O filho tinha vergonha do pai cachaceiro. O terceiro estava desempregado há tempo e chorou calado, com o cigarro se acabando entre os dedos.
O disco estava na metade quando chegou a polícia.
- Tenho reclamação de som alto aqui – disse o brigadiano.
Um soldado de 26 anos, vindo de Rosário do Sul. Deixou a família para trás. Mulher e dois filhos pequenos. Veio tentar carreira em Porto Alegre.
Não bebeu nada. Mas chorou da mesma forma, porque não é fácil pra ninguém.
domingo, 29 de janeiro de 2017
Todos Os Frangos do Mercado
- A senhora não pode comprar todas as sobrecoxas do mercado.
- Por que não?
- Porque isso aqui não é atacado. Tem limite por cliente.
- E qual é?
- Uma caixa.
- Onde diz isso?
- Eu tô falando pra senhora.
- Então, eu vou pagar, sair, voltar e comprar de novo. Quero ver tu me proibir!
- Já falei que não pode.
- Isso é um absurdo! Eu vou te denunciar.
- Mas é que...
- Cala essa tua boca que eu vou ligar pro Balanço Geral e é agora!
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
Queijo E Graxa
Dois mecânicos.
- Que história é essa que tu só come queijo roquefort?
- Verdade.
- É coisa da tua mulher?
- Não. Eu que gosto.
- Tu tá maluco! Melhor é lanche. Ou um colonial.
- Já comeu roquefort?
- Não. Muito caro.
- Então, nem te apresenta.
- No Super Kan não tem esse queijo, acho.
- Eu não piso no Kan, Deus me livre!
- Ah, tá?! E onde tu vai?
- Só no Zaffari.
- Mas tu mora na Tinga e não vai no Kan?
- Pra tu ver...
Ele interrompeu a conversa e veio em minha direção.
- Feito chefe! Trocamo o óleo e o filtro do teu Uninho. Tá tudo certo. Só acertar ali no caixa.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
Minha Aventura No Jornalismo Fictício
Minha ideia era utilizar o formato jornalístico (a tal pirâmide invertida) e inserir mentiras ao invés de fatos. O recheio seria escrever algo próximo da verdade, um texto bem construído, que pudesse enganar o leitor. "Jornalismo fictício" era o nome. Uma afronta. Uma bobagem de universitário. O ano era 2006, mês de junho, quando coloquei no ar o blog A Pipa do Vovô.
Os amigos da Unisinos aprovaram e ajudaram a disseminar. Em pouco tempo, o garoto-propaganda das Casas Bahia, o ator Fabiano Augusto, queria me processar, porque um site o tinha matado e ele estava perdendo trabalho por causa disso.
As "notícias", muitas delas sem noção, foram rendendo cliques e cheguei a dar entrevistas para TVCom, programa Camarote, e rádio Gaúcha, Sábado Esporte Show, ambas mídias locais. Antonio Tabet, do então Kibeloco (criado em 2002), me contatou, pois queria ampliar seu site e publicar aquelas maluquices "do caralho". Mandou um email e depois ligou. "Topa vir pro Rio?". "Topo!".
Ficou nisso. Fogo de palha. Uma piada de guri. Depois, outros guris mais espertos levaram isso a sério e criaram páginas que existem até hoje, como O Bairrista (no ar desde janeiro de 2011), O Sensacionalista (2009), The Piauí Herald (2009)...
Tenho amigos e professores que ainda lembram desse período. "E A Pipa do Vovô, como vai?", sempre me pergunta o Sérgio Endler, que lembra o caso de um colega seu, professor de Ética, que ficou indignado com "a palhaçada".
Mas um dia eles vão esquecer de tudo isso.
Eu não. Quando for velho, gordo, careca-cabeludo, afundado em um clichê qualquer, ainda vou lembrar. E os que ouvirem essa minha ladainha vão rir. "Quem esse velho pensa que é?".
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Ps: Segundo consta, o pioneiro do jornalismo ou noticiário satírico foi o norte-americano The Onion, com publicação em 1988. No Brasil, os comediantes do Casseta e Planeta (Casseta Popular e Planeta Diário), a partir da década de 80, utilizaram muito do jornalismo em seus textos no impresso, rádio e tv.
terça-feira, 10 de janeiro de 2017
Experiência da Escassez
Às vezes, me vejo outra vez - quase sempre à noite. E busco sentido onde não há.
Olhando pra trás, fica tudo mais curioso ainda. Bairro São Sebastião, Zona Norte. Escola Ana Neri. Um pavilhão de madeira. E uma biblioteca mínima.
Disso, saiu um leitor, um escritor. Mesmo sem livros em casa. Mesmo sem amigos ou parentes leitores. Mesmo sem a "cultura" ou a "formação" adequada. Mesmo assim, há alguém que teima com a Literatura.
Porque a Literatura abraça e ilude qualquer um.
domingo, 8 de janeiro de 2017
Marafa, de Marques Rebelo
sábado, 7 de janeiro de 2017
Colega de Trabalho
Ele sempre foi um chato. Um chato extremo. Desses que a única saída, numa conversa, é desligar o cérebro ou buscar pensar em outra coisa, enquanto ele tece suas teses diárias. E como a criatura fala!
Panorama político nacional. Macro economia. Situação atual dos Estados Unidos e Europa. Combates no Leste Europeu e Oriente Médio. Classificação do campeonato. Agenda cultural. Por essas e outras que já não leio os periódicos.
O problema é que não há opções de fuga, porque ele não é de deixar alternativas. Geralmente, tem por hábito embretar o interlocutor no corredor de um metro e meio de largura. Deixando-o impaciente, como um boi antes de acessar a arena - que é qualquer uma das saletas da firma.
Entretanto, nesse calor intolerável que anda fazendo, é uma boa topar com ele. Aturar sua chatice por instantes é refrescante. Pois ele, quando fala, lança uma porção de perdigotos. Tem altura média, cerca de 1.75 m. Então, seus mililitros de saliva alcançam a face de quase todos os interpelados.
Equivale a lavar o rosto antes de iniciar o dia de trabalho.
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