Albert Camus, Maria da Saudade Cortesão e Murilo Mendes no Rio de Janeiro, em 1949 |
É possível que a ideia tenha sido de apresentar o autor de O Estrangeiro, A Peste, O Mito de Sísifo, entre outros, para o público brasileiro. Se esse era o objetivo, certamente foi alçando. Mas, além disso, o texto é muito atual.
Em tempos de intolerância - escrevo dias após ao ataque terrorista a revista francesa Cherlie Hebdo, que matou doze pessoas - a descrição que Murilo Mendes faz de Camus não é só digna de nota - afinal, o argelino era um grande escritor/pensador -, mas, também, soa como um breve lição de luta e valorização da liberdade.
"Camus é o delegado de uma minoria anônima, de uma minoria que entretanto cresce dia a dia, a dos homens que recusam servir ao totalitarismo sob todas as suas formas. A posição de Camus é particularmente difícil, pois que numa sociedade cuja grande palavra de ordem é “politizai-vos”, como a da sociedade de Luís Filipe fora “enriquecei-vos”, recusar-se à estatolatria é uma loucura. O Estado moderno não permite ao artista contrariar suas leis. Não admite interposição, nem das forças da natureza, nem das forças do amor. Trata os homens como símbolos abstratos. Por conseguinte, a posição do verdadeiro artista só pode ser heróica. Esclarecendo o público sobre a falsidade de muitos políticos e a necessidade de todos os escritores conservarem sua dignidade e altivez, arrisca-se a passar por artificial, reacionário, etc. Não importa. Sua tarefa só poderá ser levada a cabo num plano de independência e de bravura. Camus é contra a hipertrofia política seja da esquerda, da direita ou do centro. É contra a guerra, contra o fascismo, contra a absorção do homem pelo Estado, contra o heroísmo por procuração, contra a multiplicação dos sinais abstratos pela propaganda política, contra a violência dirigida, contra a substituição do amor pela moral. É pelo desenvolvimento de todos os valores positivos do homem, num clima de compreensão e fraternidade. É pelo auxílio mútuo num plano de resistência internacional. É pela paz, mas não pela paz convencional pregada pelos governos das nações que se armam até os dentes. Não deverá se falar em paz enquanto houver campos de concentração, afirma Camus. Afirma também que o escritor jamais poderá ser solitário, pois tem a defender o direito à solidão de cada um".
Murilo Mendes, "Camus" (1949), in Cartas de Murilo Mendes a correspondentes europeus, org. Júlio Castañon Guimarães, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2012, pp. 142-143).