Enfim, o tal jornalista cultural abandonou os releases e materiais de divulgação enviados pelas editoras e foi à rua. Havia descoberto uma boa história, envolvendo
um escritor independente. O autor em questão já tinha mais de dez livros publicados e vivia
como mendigo, morando junto de um grupo, embaixo do principal viaduto da cidade. Lá pelas
tantas, o especialista em literatura perguntou.
- E como o senhor se mantém financeiramente? Possui alguma
fonte de renda?
- Eu vivo com o que recebo de direitos autorais...
Fiz esse texto especialmente para um site, que optou por não publicar. Então, como não achei tão ruim, compartilho por aqui.
Sou como aquele turista japonês que tira foto de tudo, de todos e a qualquer momento. A diferença é que eu não acho graça, nem fico rindo pra qualquer um ou para qualquer coisa. Outra diferença importante é que não uso máquina fotográfica e, sim, papel e caneta. Assim como o maldito oriental, incomodo muita gente. Afinal, as pessoas só querem admirar a paisagem e esperar que o dia termine bem. Pra quê tudo isso? É que tem coisas que não são possíveis descrever. E são exatamente essas que busco. Eu sei que é uma besteira sem tamanho. Mas quando tudo parece novo, é inevitável não tentar registrar.
Às vezes, acordo num sobressalto e escrevo qualquer coisa. E sigo de olhos abertos enquanto o sonho não vem. Noutras, aparece uma frase e perco um compromisso importante. Há, também, casos que não presto atenção no que há em minha volta – família, amigos, trânsito, temperatura, etc – , porque um verso insiste em tomar boa parte do meu cérebro limitado. Os versos sempre tem prioridade. Qualquer verso.
Já peguei gripe, já perdi o ônibus, já fui atropelado e já amei demais por culpa da Literatura. Só que a vida acaba virando um faz de conta desgraçado. E os outros não estão nem aí pro seu autismo. No começo, sinceramente, achava que era um dom. Depois, a "dádiva" se tornou uma abnegação, missão ou questão de sobrevivência. Hoje, percebo que foi e é só uma sina, que ultrapassou o limite da teimosia, do bom senso.
Um cachorro vadio, que eu tirei da rua, lambe diariamente minhas feridas e me leva para a rua, para tomar um pouco de sol ou uma bola de sorvete de flocos. Se não fosse por ele, acho que jamais sairia de casa. Porque o mundo é só um lugar para matar o tempo. O mundo é só um lugar para tropeçar em caminhos mal sinalizados. Tem dias que escrevo coisas honestas, que me tiram um sorriso da cara. Noutros, parece que não valeu a pena tentar. Foi um pecado ter sujado tantas folhas. A Natureza ainda vai me cobrar essa conta. Eu sei disso.
Minha mãe me ensinou a rezar. Mas eu me neguei a pisar na igreja. Eu me neguei a agradecer. Agora, já é um pouco tarde. Minha carcaça acabará perdendo a queda de braço para a Literatura. Parece um pouco trágico dito assim, mas é a ordem natural das coisas. A Literatura sempre vence no final.
As pessoas estão tão sedentas por cultura que, agora mesmo, no Centro Histórico, vi umas quarenta amontoadas para assistir um grupo de bolivianos com suas flautinhas alucinantes, mandando ver em um playback.
Um livro publicado em 2013. Outro em edição para esse ano. Alguns (poucos) exemplares vendidos. Diversos textos na web. Versos roubados por terceiros. Versos roubados de terceiros. Mais de vinte foras literários contabilizados (pequenas editoras, cadernos culturais, revistas independentes, eventos ou feiras, sites e blogs da área, etc). Por isso, acho que dá para falar sobre algumas coisas que aprendi com a Literatura.
A oportunidade surgiu graças ao site Escriba Encapuzado, de T.K. Pereira. Aliás, quem gosta de literatura, deve seguir que é muito bacana. No espaço, há diversos relatos de escritores de todo o Brasil.
Jornalismo cultural, literatura e um ótimo bate-papo foi o que rolou na entrevista, ao vivo, que participei, nesse dia 22, no Conexão Unisinos, transmitido pela TV Unisinos (afiliada do Canal Futura). Além de mim, o programa contou os jornalistas Lucas Colombo e Leandro Schallenberger. Nós três estamos no livro Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo (organizado pelo Colombo), do qual publiquei um conto inédito.
Também deu pra falar um pouco do meu romance de estreia, Virose (2013), e do que ainda está por vir nesse ano. A apresentação do Conexão é da Vanessa Ióris e Rodrigo Oliveira. Dá pra conferir a entrevista no Youtube.
Tá começando a se interessar em produzir arte e quer saber como funciona o meio no Brasil? Simples. Não é necessário perder tempo com gráficos ou ler grandes teses sócio-culturais e explicativas, basta ver esse cartum de Paulo Stocker.
Albert Camus, Maria da Saudade Cortesão e Murilo Mendes no Rio de Janeiro, em 1949
Estou lendo a obra e pesquisando um pouco sobre Murilo Mendes. Em uma dessas buscas a saber um pouco mais, acabei encontrando na página do facebook do jornalista Eduardo Sterzi, o trecho de um ensaio, onde o poeta mineiro traça um perfil de Albert Camus.
É possível que a ideia tenha sido de apresentar o autor de O Estrangeiro, A Peste, O Mito de Sísifo, entre outros, para o público brasileiro. Se esse era o objetivo, certamente foi alçando. Mas, além disso, o texto é muito atual.
Em tempos de intolerância - escrevo dias após ao ataque terrorista a revista francesa Cherlie Hebdo, que matou doze pessoas - a descrição que Murilo Mendes faz de Camus não é só digna de nota - afinal, o argelino era um grande escritor/pensador -, mas, também, soa como um breve lição de luta e valorização da liberdade.
"Camus é o delegado de uma minoria anônima, de uma minoria que entretanto cresce dia a dia, a dos homens que recusam servir ao totalitarismo sob todas as suas formas. A posição de Camus é particularmente difícil, pois que numa sociedade cuja grande palavra de ordem é “politizai-vos”, como a da sociedade de Luís Filipe fora “enriquecei-vos”, recusar-se à estatolatria é uma loucura. O Estado moderno não permite ao artista contrariar suas leis. Não admite interposição, nem das forças da natureza, nem das forças do amor. Trata os homens como símbolos abstratos. Por conseguinte, a posição do verdadeiro artista só pode ser heróica. Esclarecendo o público sobre a falsidade de muitos políticos e a necessidade de todos os escritores conservarem sua dignidade e altivez, arrisca-se a passar por artificial, reacionário, etc. Não importa. Sua tarefa só poderá ser levada a cabo num plano de independência e de bravura. Camus é contra a hipertrofia política seja da esquerda, da direita ou do centro. É contra a guerra, contra o fascismo, contra a absorção do homem pelo Estado, contra o heroísmo por procuração, contra a multiplicação dos sinais abstratos pela propaganda política, contra a violência dirigida, contra a substituição do amor pela moral. É pelo desenvolvimento de todos os valores positivos do homem, num clima de compreensão e fraternidade. É pelo auxílio mútuo num plano de resistência internacional. É pela paz, mas não pela paz convencional pregada pelos governos das nações que se armam até os dentes. Não deverá se falar em paz enquanto houver campos de concentração, afirma Camus. Afirma também que o escritor jamais poderá ser solitário, pois tem a defender o direito à solidão de cada um".
Murilo Mendes, "Camus" (1949), in Cartas de Murilo Mendes a correspondentes europeus, org. Júlio Castañon Guimarães, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2012, pp. 142-143).
Ainda estava com a ressaca da virada do ano, sem muita vontade para conversar, mas ele tava com gás. Um novo ano anima muita gente. Lá pelas tantas, resolveu falar de política.
- Cara, sou contra a ditadura.
- Eu também - respondi.
- Não me importa se é de direita ou de esquerda.
- É isso aí.
- Tem que ter liberdade.
- Aham.
- Se voltasse a ditadura, como estão falando, aposto que proibiriam um monte de coisa.
- Com certeza.
- Como fazem em Cuba, na China e outros tantos lugares por aí.
- É...
- Tu já imaginou viver sem poder acessar o xvideos e outros tantos sites pornográficos?
Eu ri, mas ele não. Parecia, de fato, muito preocupado com uma possível volta da ditadura.
O cinema francês – assim como o argentino – tem me surpreendido pela qualidade do seu roteiro. Para mim, isso é o que mais importa na sétima arte, saber contar uma história. Não há excessos, efeitos exagerados, edições mirabolantes ou arroubos tecnológicos. É “só” uma boa história, que te deixa com aquela sensação de assistir algo que pareceu fácil de fazer e que, mesmo assim, te deixa boquiaberto pela complexidade, pelo modo que foi descrita.
Alguns exemplos recentes, sem pensar muito ou pesquisar profundamente, foram os filmes Irreversível, O Escafandro e a Borboleta, Caché, Amor, Elles, O Capital, Os Intocáveis e Ferrugem e Osso. Mas teve um que me cativou mais que os citados: Dentro da Casa, lançado em 2013, com direção e roteiro de François Ozon, baseado na peça El Chico de la Última Fila, do espanhol Juan Mayorga. O apego se deu porque o tema central é a literatura. O filme fala sobre um estudante com grande potencial para a escrita e um professor, de francês logicamente, que busca estimulá-lo.
Breve Sinopse –Para escrever uma redação, o estudante Claude (Ernst Umhauer) se aproxima de um colega, Rapha (Bastien Ughetto), com a intenção de invadir sua vida, inserir-se em sua família – inclusive se apaixonando por sua mãe, a entediada Esther (Emmanuelle Seigner) –, para assim transcrever a rotina daquela família classe-média. O jovem acaba desenvolvendo uma novela – realista? – que atrai a atenção do exigente professor, Germain (Fabrice Luchini), que também é inserido no contexto – e, por consequência, já que tudo é literatura –, na trama que vai sendo escrita e – aparentemente – manipulada por Claude.
Outro ponto alto de Dentro da Casa são as citações e referências artísticas – tão naturais, sem aquele forçoso tom didático – que vão de nomes como Paul Klee, Flaubert, Pasolini, Kafka, Dostoievski, até conceitos de arte contemporânea.
O resultado é que todos – incluindo o espectador – acabam ficando presos aos próximos capítulos que o estudante vai engendrando. Só resta, então, aguardar o último ato, que acaba se tornando inevitável. Isso, meus amigos, é saber construir um bom roteiro. Uma lição não só de cinema, mas também de literatura.