quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Nós Não Podemos Dizer Que Nunca Tentamos



Já se foram mais de dois mil anos e a ciência não conseguiu medir o tamanho da dor, nem o diâmetro dos buracos que faz na alma. Mas ela, que não sabe sequer amar um homem direito – que nunca soube, aliás – jura que consegue. Insiste em dizer que sofreu mais. E que, até hoje, quando escuta Angie sente a garganta fechar – como se fosse uma alergia, como se sofresse um pequeno choque anafilático, somado a uma abrupta falta de ar. Tanto é que precisa ir à janela ou a um ambiente aberto. Mas não tão longe que não possa seguir ouvindo a música até o fim.

Dia desses, a dor retornou. O rádio estava ligado na sala. Aumentou o volume e correu para a área de serviço. Desviou das tolhas e das peças de roupas penduradas no varal, que, como ela, lutavam por um talho de Sol. Botou a cara para fora, não havia nada que não tivesse visto antes. Já eram seis horas, há tempo, e sua filha, Clarice – nome que ele colocaria se fosse o pai –, e seu cachorro da raça – aqueles tipos esquisitos da última moda, que podem ser comprados em seis vezes no cartão de crédito – estavam aos gritos, solicitando a presença do pai, que já devia estar em casa para brincar com a dupla. O homem, um sujeito simples, com estabilidade financeira e emocional, avisou sobre um protesto que havia fechado várias ruas da cidade. Estava preso no trânsito e se atrasaria.

Ela lembrou disso. Então, os dois se acalmaram com a informação, retornaram aos seus brinquedos, e o música voltou a tomar conta do apartamento. Entretanto, só foi possível ouvir os últimos suspiros de Jagger, com a voz um pouco cansada, perguntando: “quando todas aquelas nuvens desaparecerão?”. E a música logo se acabou.

Era bom estar viva. Mas ela não tinha respostas.