sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Um Bom Emprego

Enquanto isso, no Sine

- Temos uma vaga pra você.
- E para que é?
- Apresentador de noticiário jornalístico de rádio.
- Mas não sou jornalista...
- Não importa.
- Como assim, não importa?!
- Diz aqui que basta ler tweets dos ouvintes e ter uma opinião formada sobre tudo.
- Parece fácil...
- Ah, já ia me esquecendo! Se você aceitar, ganha também uma coluna de jornal.
- Eu topo!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Século XXI Deu Razão a Roberto Piva


Visão de São Paulo à Noite

Na esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
          acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
          chupando-se como raízes

Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
          feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
          definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não se apóia em nada
eu não me apóio em nada

sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos

beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
         enlouquecidos na primeira infância
os malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola

eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
         partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
         vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
         abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
         colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta

chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
         correrias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
         entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
         e o Estrondo

Roberto Piva
Poema faz parte do livro Paranoia, de 1963
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"Só acredito em poetas experimentais que tem vidas experimentais". Piva certamente foi coerente com sua frase mais conhecida, pois experimentou e viveu intensamente sua arte. Seus poemas tem um ritmo intenso. Vivem, e ganham sentido, na oralidade das ruas de São Paulo. Seus versos são crus. Sem floreios baratos ou excessos parnasianos. Fatores que só reforçam a beleza desesperada e melancólica de toda a sua obra. Em um breve ensaio/poema, Piva afirmava que o século XXI daria razão a ele.

Estava, absolutamente certo. Falar em poesia contemporânea e não citar o autor, é equivalente a uma blasfêmia. Mais sobre Piva, no documentário Assombração Urbana: http://www.youtube.com/watch?v=oVMzzYIOaNg

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Leituras Para Este Ano



Palavras que Devoram Lágrimas - Roberto Menezes
Cartas na Rua - Bukowski
Reprodução - Bernardo Carvalho
Bandidos - Elmore Leonard
Contos de Mentira - Luisa Geisler
O Longo Adeus - Raymond Chandler
Viva Bird! - Bill Moody
Mortalha Não Tem Bolso - Horace McCoy
Agosto - Rubem Fonseca
Essa Coisa Brilhante Que É A Chuva - Cíntia Moscovich
Saindo da Sarjeta - Charles Mingus
Mick Jagger - Phillip Norman

E tem mais dois a caminho: 

A Irmandade da Uva - John Fante
Sonâmbulo Amador - José Luiz Passos

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Uma Entrevista Possível

Se sou de direita ou de esquerda? Sou completamente ignorante em relação a isso. Todo o tempo que perdi lendo, foi com Literatura. Na Unisinos, os livros de sociologia e política, de um modo geral, ficavam no mesmo andar que os romances, poemas, crônicas e contos.

Eu até tentei, algumas vezes. Mas, prontamente, mudava de ideia. Imaginava, e logicamente estava certo, que perderia de conhecer Hermann Hesse, John Fante, Rubem Fonseca, Orwell, Thomas Bernhard, Kafka, Clarice Lispector, Camus, Campos de Carvalho, Murilo Mendes... Então, deixava os pensadores para trás e ficava com os sonhadores.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Homem é o Sonho do Homem

"Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro o estava sonhando".

Jorge Luís Borges, trecho do conto As Ruínas Circulares, do livro Ficções (1944).

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Tiranossauro - Um Filme Que Você Tem Que Ver


Tiranossauro, de 2011. Dê um jeito de assistir esse filmaço. Eu encontrei totalmente sem querer (na verdade, o título me chamou a atenção), no canal Max, que tem em algumas TVs por assinatura. É possível que tenha por aí também, em locadoras, internet... De qualquer forma, vá atrás!

A história fica em torno de Joseph (Peter Mullan), um beberrão violento, e Hannah (Olivia Colman), uma católica fervorosa dona de uma lojinha de subúrbio. O trunfo de Tiranossauro é o roteiro, redondo, sem exageros e repleto de personagens ricos, alguns deles, em sua aparente pobreza. Os diálogos e os silêncios são de um poder avassalador. A história, que se passa na Inglaterra, é uma magnífica crônica sobre solidão, egoísmo e como os homens podem ser bestiais e amorosos, muitas vezes, ao mesmo tempo. O destaque fica para a carta escrita e lida por Joseph, no final do filme.

Tiranossauro ganhou diversos prêmios mundo a fora, inclusive no Brasil. Mas, segundo o diretor, Paddy Considine, isso não foi o suficiente, pois o filme não teve sucesso de público em lugar nenhum, nem mesmo em seu próprio país (Inglaterra).

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A Melhor Dica Que Um Poeta Já Recebeu


- Com licença, sou artista independente, vendo minhas obras na rua. Gostaria de apresentar meu trabalho pra você.
- Obras?
- Sou poeta. Vendo poemas para as pessoas.
- E quanto custa?
- Variam de um a mil reais. Depende.
- Mil?!
- Mas, daí, eu vendo a autoria também.
- E já vendeu algum de mil?
- Sim, um.
- Pra quem?
- Carpinejar.
- Sério?! Sobre o que era?
- Era um poema onde o personagem é um idiota que deve agir da maneira certa, para não perder a mulher da sua vida.
- Hum... Bom, amigo, me desculpe, mas não tenho interesse.
- Mas por quê? Você não gosta de Literatura?
- Só leio gibis do Tex. E como ta difícil de achar, não leio mais.
- Olha, tenho um poema aqui que...
- Cara, acho melhor você desistir disso. Faz o seguinte: tá vendo aquela rua?
- Tô.
- Vai até ali, segue reto e na segunda rua à esquerda, você dobra. Tem um prédio e na fachada dele está escrito Sine. Hoje, tem vaga para pedreiro, garçom, chapista, encanador, eletricista, pintor e continuista de novela.
- Tem algo relacionado a escritor? Sei lá, cronista de jornal, desses que opinam sobre tudo...
- Não tem, não. Aliás, é bem difícil de ter coisa de escritor. Que eu me lembre, teve uma vez só.
- E o que era?
- Vaga para imitador do Bukowski.
- E teve interessados?
- Oh, a fila deu a volta em três quarteirões!

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Um Animal Em Extinção

Um cara com mais de 30. Com uma barriguinha. Que coma xis com maionese e use a porra das mãos (que merda é essa de talheres para comer xis?!) Que não saiba o que é indie rock. E que pague a conta sem pestanejar.

É só o que ela precisa.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Em Casa

A primeira coisa que faço é desabotoar a camisa. Depois ligo a tv, a ventilação e me atiro no sofá.

- Mais um dia difícil, Lucas?
- Sim, mais um.
- Ao todo, já foram quantos, Lucas?
- Impossível contabilizar. Acho que milhares.
- Aposto que você vai beber hoje, Lucas?
- Você me conhece.
- Eles seguem buscando resultados, Lucas?
- Só sabem, na verdade, é cobrar pelos resultados.
- Por que você não muda, Lucas?
- Pelo mesmo motivo que você não pula do segundo andar e não foge.
- Vamos até a janela, Lucas?
- Só você acha graça nisso.
- Você viu que ela deixou uma panela cheia de comida na geladeira, Lucas?
- Vi, sim.
- E o que tem nela, Lucas?
- Macarrão.
- Ela é uma garota legal, não é mesmo, Lucas?
- A melhor que encontrei.
- Tudo isso é por causa dela, Lucas?

Empurrei o gato do meu colo. O bicho caiu em pé. Espreguiçou-se e caminhou lentamente em direção ao corredor. Acho que ia para o quarto. Desistiu da janela. Fui até a geladeira. Abri uma lata de cerveja. Tomei toda em só gole. Estava bem gelada. Dentro de uma hora, ela retornaria pra casa.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Mocinhos

Os acomodados têm sempre uma opinião pronta. São franco-atiradores escondidos nos terraços. Estão na posição mais confortável que um homem pode estar. Eles admiram a paisagem e não vêem nada que não seja um alvo em potencial. O cenário, para eles, é composto de possíveis presas. A partir daí, miram. Puxam o gatilho e pronto. Abater, ou acertar o alvo, não importa. Relevante é o tiro.

A vida é um faroeste, onde os mocinhos só atiram pelas costas.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Força centrífuga

Viajar pra Europa não vai te salvar. Nem te tornar uma pessoa melhor. Viajar para a Europa não vai cobrir para sempre o vazio. Nem vai te socorrer dessa mar revolto. Se você soubesse. Se você tentasse entender. Veria que não há solução. Eles querem te enganar. Eles fazem de tudo para te iludir. E os dias acabam pesando. Você, então, senta e espera. Os ponteiros não dão uma volta e você já quer fugir outra vez. Mas, agora, a Europa já não existe. Agora, a Europa não tem mais graça alguma. São só estátuas idiotas e velhas. São apenas demarcações de territórios. A próxima fuga tem de ser de verdade. Não há tempo a perder. Você só quer uma resposta antes de ir embora. Uma pista já bastaria. Mas todos são novos no bairro e ninguém consegue te mostrar o caminho. Você retorna pra casa. E só o ato de abrir a porta, a essa altura, acaba sendo um sinal de desespero. Eles estão na sala, fingindo que nada aconteceu. Mas você sabe. Aliás, a única coisa que você sabe é que as certezas não passam de convicções tolas. O quarto ainda está do jeito que você deixou. O ponteiro, enfim, completou uma volta.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Recado Importante

Atenção Correntistas! 
Banco do Brasil não aceita poesia em troca de dinheiro

A Pizzaria que Inspirou os Primeiros Capítulos de Virose


Imagens do Google Street View
Ainda existe no Google a pizzaria que inspirou o começo de Virose, meu primeiro romance. Na Billy, que ficava localizada na rua Ministro de Oliveira Lima, bairro São Sebastião, em Porto Alegre, foi onde aconteceu o assassinato de um homem. 

O cara foi buscar uma "metade cinco queijos, metade coração" e levou uma bala na nuca. Crime encomendado. Foi notícia na época.