quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Taline e Flávio (conto)


- Lucas, a Aline veio falar comigo. Disse que teve gente que veio questionar ela sobre o conto que tu publicou recentemente. Comentou que circulou na empresa... É foda... Ela disse que seria melhor tu tirar das redes sociais. 

- É sério? 

- Sim. 

- Vou deletar por qual razão? Se trata de um conto.  

- É que os nomes são os mesmos e a minha situação é muito detalhada, todos sabem que sou eu. E ela disse que o pessoal tá insinuando que tivemos um caso. Ela achou o conto muito bonito, ficou lisonjeada... Ela pediu de boa. Não exigiu. 

- Que decepção com vocês! Vocês são meus amigos... 

- Eu não te pedi para tirar. Pedi porque ela me pediu e porque somos amigos. Te dei as razões dela. Por mim, estou cagando... Não me importo mais que me julguem por isso. Estou no ostracismo. Longe daí. E ninguém me confrontou. Não confunde as coisas. Foi ela pediu. 

Lucas não tinha argumento para contrapor, nem queria mais qualquer tipo de conversa sobre. Ter que explicar sua obra de ficção, que era insignificante, não faria o menor sentido sob nenhum aspecto. Limitou-se a excluir o texto e deixar os dois pra lá. 

Contudo, Lucas não tinha amarras – assim como a Literatura, assim como alguém que escreve sem ter leitores à espera. Lucas tinha um compromisso patético e intransigente com a Arte. Era seu único compromisso – pois não lhe era imposto. Lucas não tinha uma carteira assinada com a Literatura. Por essa razão, se via no direito de não fraquejar, não ceder a caprichos.  

A figura era a seguinte. A Literatura era um mendigo e Lucas era seu cão sarnento. Um animal tonto que persegue um homem decrépito sem perceber que não há perspectiva alguma, além de receber pouca comida e a promessa de liberdade.  

Esse – que fique bem claro – é o modo como Lucas vê as coisas. As outras pessoas que estão próximas a ele – não os leitores em geral, porque ele não tem leitores – veem tudo isso como uma infantilidade. Uma tremenda bobagem. Os mais benevolentes acreditam ser apenas um hobby. "Ele escreve nas horas vagas", dizem.  

Então, Lucas seguiu a Literatura mais uma vez. Seu novo texto, após ter deletado o conto Aline e Fábio, descreverá uma mulher de quarenta e poucos anos, que se julga progressista – um termo da moda para quem se afirma de esquerda ideologicamente –, confusa diante da repercussão da narrativa breve que leva seu nome e descreve uma personagem que poderia muito bem ser ela. Essa mulher entende que se trata de ficção. Tem educação e cultura suficiente para isso. Porém, sabe, talvez pela idade, que é necessário zelar por sua imagem. Esse traquejo, esse pragmatismo social – que ela achava não ter ou via como irrelevante – vão fazê-la questionar a necessidade do conto ser publicado e levar seu nome no título.  

Entretanto, a vergonha de alguém que se julga progressista sugerir o cancelamento da publicação de um texto literário mexe com ela. Afinal, o falso moralismo é uma afronta e uma chaga de nosso tempo. Titubeia. Mas solicitará o sumiço da tal prosa.  Alcançará seu objetivo e, no fundo, ficará satisfeita que o autor acatará seu pedido. A essa mulher, Lucas dará o nome de Taline. 

Já o personagem masculino será retratado como alguém que é quase um ermitão. Um homem niilista, que tem como meta construir um casebre na montanha. Seu ponto de contradição será a preocupação com a própria reputação. Algo nonsense que trará um certo traço de humor a peça literária. O ápice será o momento que ele pede – a mando de Taline – o apagamento da história, onde pretensamente é também um dos personagens. Lucas transcreverá essa solicitação ipsis litteris para dar um toque realista. 

Ficará claro que, mesmo sendo um amante das artes, mesmo sendo um bom leitor e mesmo sendo amigo do autor, ele não encontrará outra maneira. Desejará que o conto seja deletado. O nome desse personagem será Flávio.