Nasceu assim e assim cresceu: um nadinha. Já tinha três anos, mas parecia ter um. A avó a embalava cantando “boi da cara preta”, que para ela não tinha cara nenhuma, e nem sabia o que era boi. Com quatro anos deu os primeiros passos e já a chamavam de Nadinha. Mas seu nome mesmo era Maria Auxiliadora. Foi perto dos cinco anos que deu uma dor no pé. Chorou a noite toda. Deram a ela tudo o que foi chá. Até de bosta de galinha deram. Não adiantou. Arrumaram uma rezadeira. “Com dois te botaram, com três eu te tiro”, a mulher rezou em vão. Arranjaram ficha pro médico e ele disse que só operando. Dali a três meses operou, mas não adiantou de nada. Ninguém sabe como nem por quê, Nadinha nunca mais andou. Era só pôr o pé no chão e chorar. Queria colo da vovó a manhosa. Mais dois meses e a perna foi secando. Ficou uma maniva de macaxeira, zombavam os irmãos. Mas Nadinha continuava cada dia mais alheada do mundo, não sabia o que era maniva, muito menos macaxeira. Mais uns tempos e a outra perna foi afinando. Os pés viraram um nervo só, retorcidos que nem rabinho de porco. A mãe chorava, a vovó também, que só sabia cantar “boi da cara preta”. Nadinha, de cabeça desmongolada, olhava pra cara da avó sem ver o mundo. Bebia tudo por um canudinho de mamona enquanto os irmãos corriam com as pernas boas só pra fazer inveja. Mas Nadinha não sabia o que era inveja.
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Conto de Antonio Carlos Viana. Faz parte do livro O meio do mundo e outros contos (Companhia das Letras, 1999)
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