quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
Uma Breve Teoria Sobre As Oficinas De Escrita Criativa
Vamos imaginar uma situação excêntrica e, sob todos os aspectos, indesejável: você se inscreve numa Oficina de Escrita Criativa e, no primeiro dia de aula, a professora — ela está quase nos 50, mas ainda se veste como uma adolescente — entra na classe e começa a falar sobre Roland Barthes ou a respeito de algum estruturalista russo. Você, aluno esforçado, vai tomando notas, sem entender direito o que está acontecendo, pois a professora é famosa, tem dezenas de livros publicados. Além disso, sua melhor amiga — por quem você tem certa caída — está sentada ao seu lado. Ela estuda Letras e, a cada afirmação da professora, sorri e move a cabeça de maneira afirmativa.
O tempo passa. A primeira hora parece interminável — você anotou tudo mas não entendeu nada. Quando você está mais perdido que cachorro em dia de mudança, a professora diz: “Bem… então, agora que vimos as 31 funções de Vladimir Propp, vocês podem escolher algumas e usá-las para escrever um texto breve, um conto que vamos discutir na próxima aula. Vamos fazer um intervalo e, depois do café, voltamos para ver a questão do ‘actante’ em Greimas”.
Meio perturbado, você levanta da carteira. Sua amiga já correu para o lado da professora. E assim que você se aproxima, nota que as duas conversam alegremente numa língua que só às vezes parece português. O mal-estar acende uma luz vermelha na sua cabeça — ou dispara uma sirene. Por um simples motivo: você sabe, ainda que de maneira intuitiva, que escritores não precisam de teorias.
Não me consta que, antes de escrever seus contos, Tchekhov tenha estudado teoria literária. Ou que Machado de Assis tenha, antes de começar a escrever, destrinçado a "Poética" de Aristóteles. Teorias literárias, sistemas e classificações servem, em primeiro lugar, a teóricos, acadêmicos e críticos.
É verdade que alguns escritores, depois de acumular experiência, escreveram ensaios teóricos — ou demonstraram, em sua correspondência, em seus diários, idéias precisas sobre o que pretendiam expressar ou atingir com seus textos. Basta pensar, por exemplo, nas cartas de Flaubert e Tchekhov — ou nos ensaios de Edgar Allan Poe e Julio Cortázar. Mas criar obedecendo antecipadamente a uma teoria jamais foi a preocupação primeira desses autores.
Os vanguardistas de certo modo fizeram isso: inventaram modelos e depois, acorrentados a seus manifestos, tiveram de seguir produzindo de acordo com o esquema. Submeteram seu impulso criador a uma coerência infantil e irresponsável. Poucos tiveram coragem de buscar novos caminhos.
Mas os grandes escritores obedecem, em primeiro lugar, a si próprios. E se buscam um modelo — e é bom que o façam —, procuram-no entre os seus iguais, quase sempre aqueles que consideram perfeitos.
Nada impede que o escritor estude, conheça teorias — e seja, inclusive, professor de teoria literária. O problema é colocar a carroça na frente dos bois. O erro está em apresentar aos jovens uma teoria, um modelo, e dizer que seguir esse sistema fará deles escritores. É o mesmo que enfiá-los numa camisa de força. Ou no estreito corredor de um matadouro.
A escrita deve ser livre. Livre, inclusive, para ir contra a estética do seu tempo. O escritor contemporâneo deve se sentir livre para escrever como Madame de La Fayette ou — vamos ainda mais longe — como Murasaki Shikibu. Deve ser livre para se inspirar nessas escritoras e, gradativamente, formar seu próprio estilo.
Ao escrever, por favor, esqueça as teorias estéticas. O escritor deve ser livre para bocejar diante de Barthes, para cair de sono depois de uma página de Propp, para jogar no lixo os tratados de semiótica.
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Texto de Rodrigo Gurgel (crítico literário da Folha de SP e Rascunho), publicado originalmente em seu perfil do Facebook.
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