Abalo Sísmico
Lucas Barroso
O que guardo comigo
Trago há muito
Como uma palavra que não existe
E que minha boca está quase por inventar
É uma vontade contida
De um desejo confuso
Está amargado em mim
Veio dos meus pais mortos
Da multidão de estranhos
Dos poucos amigos
Mas não é nada
Que possa ser descoberto
Ou inventado por alguém
É algo meu
Que arrasto como uma bola de ferro pelo pátio do presídio
Está na minha cara quando amanhece
E em todos os dias que amanheci
Agora, que estou ficando velho
Sinto palpitar em alguma parte daqui de dentro
Por teimosia
Jogo meus dedos contra as paredes da pele
Revisto minhas partes uma a uma
Volto meus olhos para dentro
Vasculho as tripas e os restos fecais
Separo os ossos dos músculos
Procuro a dor
Não encontro a dor
Acabo por me abraçar
Com a mais abrupta força que trago
Como se me amasse mais que tudo
Como se dissesse para mim mesmo
Que não tenho a real noção do tempo
E que tudo que guardo comigo
Não é meu
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Foto: Gabriela Di Bela
O poema fará parte do meu segundo livro, O Ano dos Mortos, editora Bartlebee Livros. O lançamento deverá acontecer até a metade desse ano.
Minha estreia, acesse aqui.