Todo mundo quer uma esposa, marido, filhos... uma família. Mas só por meio turno. E, ainda por cima, esse turno sem lista de supermercado, sem primo distante, sem dinheiro emprestado para a sogra. Só que a vida, obviamente, não é assim. Nunca vai ser assim. E tudo tende a piorar. Não se trata de pessimismo e, sim, de estatística – alguém, possivelmente um cético, diria realismo, mas realismo não existe. São fatores recorrentes, que variam pouco de casal para casal. São variáveis que aparecem e se alojam com o tempo. Como a umidade, como a ferrugem, como a maresia.
A única solução e, ao mesmo tempo a pior delas, é o isolamento. Não há outra alternativa, pois os amigos, aqueles que você escolheu ou os que escolheram você, já vivem no mundo de responsabilidade e guardas compartilhadas. Já estão em uma união estável com divisão igualitária de bens, com o nome completo de seus cônjuges divulgados no imposto de renda.
O chá esfriou sob o abajur imundo. Sobre a mesa alguns rascunhos, cópias de documentos, contas vencidas. Os livros, se enfileirados, resultariam em 10 quilômetros de extensão. Um belo caminho. Entretanto, um belo caminho sem respostas. Todos os autores lhe confundiram. E agora você aguarda as resoluções do tempo. Mirando aqueles títulos, sem recordar as tramas, personagens, cheiros. As previsões para o futuro – a casa distante da capital, a fuga dos imbecis que tem a solução para tudo, algo próximo a uma besta comunhão com a natureza – adormecem na gaveta debaixo da escrivaninha, junto com o álbum de fotografias, o diploma e o walkman.
O que você fez da porra da sua vida?
(sem edição, sem releitura, daquele jeito...)