sábado, 15 de fevereiro de 2014

Literatura Não É Informe Comercial


Não sei se isso já se tornou uma prática habitual, mas a sensação que tive ao ler a crônica do Fabrício Carpinejar publicada como Informe Comercial, na edição do jornal Zero Hora, do dia 14 de fevereiro de 2014, deve ter sido a mesma que um músico do século passado teve ao ouvir, pela primeira vez, uma música servindo de jingle para uma marca qualquer. Na minha cabeça, Literatura não é propaganda. Tanto é que, ao folhear a página estranhei o layout e o formato do texto. Minha ficha só caiu quando vi, no alto da página, em letras menores, o alerta que aquilo era um “Informe Comercial”. A assinatura do Carpinejar, assim como sua foto, vinculada ao texto em um jornal onde ele tem coluna, dão um ar de armadilha a peça publicitária. Fato que só piora as coisas.

Falando do autor. Posso dizer que acompanhei o começo da carreira dele, quando se dedicava a poesia e não tinha um grande reconhecimento nem visibilidade. Apontava como uma promessa literária. Uma vez, inclusive, tomei um café com ele na Unisinos. Foi um bate-papo muito bom, muito agradável. Mas isso, como disse, foi antes. Para quem é do Sul, é notório que, em certo momento de sua carreira, não sei especificar qual, Carpinejar se popularizou, se midiatizou. E não há problema algum nisso. Porém, um dos resultados é essa crônica-informe-comercial (novo gênero literário?), que segundo deduzo, está servindo de subsídio para vender terrenos em condomínios fechados na praia. Deduzo, porque a propaganda não é explícita, apenas diz, insisto, “Informe Comercial”. Contudo, dois versos do texto, com densa carga poética, são bem diretos. “Os melhores amigos são feitos na praia. Nos condomínios da praia”. Nas páginas seguintes a crônica, são apresentados diversos anúncios de página inteira de uma construtora de condomínios fechados no litoral rio-grandense. Touché!

Pra quem achava que Auto-Ajuda seria o modo mais fácil de fazer dinheiro na Literatura, pode estar enganado. O gênero Informe-Comercial também é promissor.

Bom, não julgo a intenção do autor. Tampouco a qualidade do texto. A obra é dele. Meu comentário é relativo ao baque que foi assistir a Literatura criada especificamente para uma peça publicitária. Com objetivo claro de vender, servindo como um mero outdoor de um condomínio fechado na praia. Confesso que nunca tinha visto nada parecido, por isso o estranhamento. Lógico que, como escritor e profissional de comunicação, entendo que a Literatura também é um produto. Os livros, por exemplo, são produtos de uma editora (com exceção dos independentes, óbvio). Muitos filmes são produtos de livros. E por aí vai. Entretanto, basicamente, também são produtos artísticos.

Tudo bem, posso aceitar a sentença de que tudo não passa de um romantismo bobo meu. Mas entendo que a Literatura é uma expressão artística, acima de qualquer coisa, e escrever é (e sempre será?) uma ideologia, uma sina. Sou radical em relação a isso. E não há condomínio fechado nesse mundo que vai me fazer mudar de ideia!