terça-feira, 29 de outubro de 2013

RH - Última Etapa

- Ok, vou acreditar que você enxergou uma borboleta naquele borrão que a psicóloga te mostrou. Quando sei que, na verdade, você viu duas lésbicas transando enlouquecidamente.
- Como assim, senhor?
- Também vou fazer de conta que caí na história de você nunca ter usado drogas. Porra, nem um peguinha numa maconha tu deu, meu chapa?!
- Senhor, não tô entendendo...
- Putaria na internet, Mônica Mattos, Kid Bengala, imagino que você também nunca tenha visto.
- Eu... Sinceramente, não sei o que dizer.
- Aposto que você já roubou chocolate, cerveja ou salgadinho no supermercado.
- Nã... Acho que não.
- Eu não quero contratar um padre! Eu quero que você diga a maldita verdade, seu miserável! A VER-DA-DE.
- Tudo bem, tudo bem. Vou dizer.
- Como é que vou trabalhar oito horas do meu dia com um funcionário mentiroso. Você me entende? Tem que ser algo de confiança.
- Sim, o senhor está correto.
- Ok. Vamos começar de novo, então. É gostosa aquela psicóloga do RH, não é mesmo?
- Oh, com certeza.
- Comia?
- Todinha.
- É minha esposa. 
- Meu Deus...
- Viu só?! Agora, já sei. Não posso bobear, senão tu come minha mulher. Quantos amigos dizem isso pra gente? Nenhum. NE-NHUM!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Inimigo Público

- E como são os hábitos dele?
- Sei que ele come carne vermelha, fuma, usa tênis de mola e tá sempre de carro, pra lá e pra cá. Até pra ir na padaria ele vai de carro!
- Aham. E o lixo, ele separa?
- Não.
- Tem certeza que de bicicleta a senhora nunca viu ele andar?
- Tenho, sim senhor. Ele odeia bicicleta...
- Certo. Última pergunta, sei que a senhora está nervosa, não vamos mais tomar seu tempo, mas esse meliante é de direita?
- Sim! Sim! - nesse momento, a senhora não se contém e começa a soluçar. - E ele até assina a Veja! - completou, aos prantos.

O delegado deu um murro na mesa.

- Peçanha?! Pelo amor de Deus, ajude a senhora aqui. Traz um copo de água com açucar, que eu acho que já sei de quem ela tá falando...

Depois do Jantar

O pai ainda sonha com seus dias de aventura. A mãe, que abdicou do trabalho e assumiu de vez a casa, mira o relógio da sala e lembra que, nesse exato momento, deveria estar batendo o cartão ponto. Ambos estão diante da mesa posta. Repreendem, em coro, seu filho por falar de boca cheia. A coincidência de fala sincronizada não causa espanto algum. Só da criança, que ri e segue fazendo troça.

O homem, então, vai até a janela. Dá as costas. Acende um cigarro. Respira fundo. Tem a mais absoluta certeza que tomou a decisão errada. A mulher finge que não se incomoda com a fumaça. Recolhe os pratos e a tolha de mesa. Eles sabem que é tarde demais.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

"O Fracasso Não Me Subiu a Cabeça" *

- Uma pena o diretor não poder te atender.
- É, uma pena mesmo.
- Então, você tem interesse em participar da Feira do Livro de nossa cidade?
- Sim, percorri mais de 70 quilômetros pra isso.
- E o seu livro é infantil, infanto-juvenil ou ensino médio?
- Como assim?
- Qual desses públicos você acha que ele pode se encaixar?
- Tirando os palavrões, a violência explícita e um personagem que tem um pau de trinta centímetros, acho que dá para dizer que é ensino médio...

Ela levantou os olhos para me olhar. Eu estava ali, com uma cara normal. Normal quer dizer que não sorria, não mentia. Olhou ao redor. Parecia procurar algo. Suas colegas, todas legítimas professorinhas de interior, com seus vestidinhos de renda, não sugeriram nada, nenhuma alternativa. Simplesmente, baixaram a cabeça e retornaram a seus afazeres.

- Tá bom... Vou colocar ensino médio na ficha, então. Deixa teus contatos aqui, por favor, e retornaremos.

Depois disso, nos despedimos. Quando saí da secretaria de educação, o tempo estava mais quente. Talvez, uns 30 graus. Seria uma longa viagem de volta.


* O título é uma homenagem a célebre frase de Paulo César Pereio.