O pintor Levitan está passando uns dias no meu sítio. Ontem, ao entardecer, eu e ele fomos à zona da caça às galinholas. Levitan disparou e uma ave, ferida na asa, caiu num charco. Eu a levantei. Tinha um bico comprido, olhos grandes e pretos e uma plumagem bonita. Olhava para nós, espantada. O que podíamos fazer? Levitan franziu a testa, fechou os olhos e me suplicou, com voz trêmula: "Por favor, esmague a cabeça dela com a coronha da espingarda". Respondi que não era capaz. Os ombros dele não paravam de sacudir, estava nervoso, contraía o rosto e suplicava. A galinhola olhava para mim, espantada. Tive de obedecer a Levitan e matá-la. E, enquanto dois imbecis voltavam para casa e sentavam-se para jantar, havia uma criatura fascinante a menos no mundo.
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Trecho de uma carta de Tchekhov, escrita em 1892. A situação vivida serviu de inspiração para a peça A Gaivota.
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