segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Não Era Fácil Entender Os Adultos


Em meados dos anos 90, os pré-adolescentes andavam sozinhos pelas ruas. Percorriam até mesmo longas distâncias. Falo disso, porque eu era um desses. 

Foi assim num sábado de manhã. Saí de casa cedo e fui até a parada de ônibus. Aguardava a linha 611 Lindoia. Junto de mim, estava um amigo de infância e seu pai. 

A gente se conhecia desde os 9 anos. Tínhamos a mesmo idade. Éramos colegas na Escola Estadual de Ensino Fundamental Ana Neri. Vivíamos no Parque São Sebastião, Zona Norte de Porto Alegre. 

Eu morava num daqueles apartamentos, que eram iguais a quase todos os que haviam no bairro. Ele, numa rua que foi fechada por uma cancela, com a intenção de se tornar um condomínio particular, repleto de casas. 

Apertamos as mãos. 

- E aí, Zetti! - ele disse.

- E aí! - respondi. 

E mais não falamos. Seu pai fingiu que não me viu. Entramos no ônibus deserto. Sentamos um em cada banco. Não haviam distrações eletrônicas naquele tempo. Então, fomos admirando a paisagem que corria pela janela.

No Terminal Rui Barbosa, fim da linha, nos despedimos. Entretanto, fomos caminhando nas mesmas ruas do Centro. 

- Tá indo pra onde? - perguntei.

- Vamos pegar o ônibus São Caetano, do lado dos Correios - ele disse.

- Eu também!

- Vamos no Hospital Espírita.

- Eu também vou descer ali. Mas vou ver minha vó, que mora perto.

Fomos. O silêncio persistia. Mais um ônibus vazio. Sentamos um em cada banco, outra vez. Seu pai seguia fingindo que não me via. A essa altura, eu já sabia o motivo. O homem era um bêbado inveterado. Percorria todos os botecos da região. Estava indo se internar no tal hospital. Tratar o alcoolismo.

A cena era inusitada. Dois pré-adolescentes cruzando a cidade. Um, levava de arrasto seu pai bêbado. O outro, ia visitar a avó, uma velha solitária e encrenqueira que ninguém queria por perto.

A verdade é que deveríamos estar jogando bola ou assistindo tv, naquela manhã. Como todos nossos amigos estavam fazendo. Porém, optamos por cruzar a cidade de Norte a Sul.

O motivo era simples e complexo. A gente amava demais aquelas duas pessoas extremamente difíceis. E não entendíamos bem o que estava, de fato, acontecendo com eles. Porque não era fácil entender os adultos.

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Imagem extraída do Google Maps. Local é o ponto de parada citado no início do texto.

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