E se seu futebol tiver sido ainda maior do que pensávamos?
No tempo de Pelé, as bolas e chuteiras eram de couro de verdade, e cada chute tentava fazer jus à força do triste animal de que descendiam. Eram grosseiras, pesadas e, com a grama molhada, ganhavam o dobro do peso inicial. As camisas eram de uma malha que acumulava suor e também pesava, como se cada jogador carregasse um companheiro nas costas. Imagine a diferença que isto fazia nas cabeçadas, na quantidade de esforço para a impulsão.
Antes de 1970, e Pelé começou em 1956, não existiam os cartões amarelo e vermelho. Como os juízes não tinham como contar o quanto cada um batia, os adversários nem precisavam se revezar para acertá-lo. Pelé apanhou tanto que teve de aprender a bater. Como seria se, desde o começo, houvesse essa emenda à regra, que tanto beneficiou os artilheiros e dribladores? Ou os adversários o enfrentavam na bola ou seriam expulsos, pelo número de faltas sobre ele.
No tempo de Pelé, não havia a internet como hoje. Todos entravam em campo contra adversários que nunca tinham visto jogar. Nenhum atacante sabia nada sobre o homem que iria marcá-lo —se era técnico, desleal, rápido ou lento. Teria que descobrir durante a partida. Hoje, os 22 do time X já sabem tudo sobre os 22 do time Y e vice-versa, mesmo que sejam o Asa de Arapiraca e o Real Madrid. Mas, em cinco minutos, Pelé já vira tudo que precisava saber.
Finalmente, pelo Santos ou pela seleção, Pelé jogou com ou contra Garrincha, Zizinho, Puskàs, Di Stéfano, Didi, Bobby Charlton, Kopa, Fontaine, Eusébio, Tostão, Gerson, Bobby Charlton , Jairzinho, Cruyff, Neeskens, Gerd Müller. Era maior do que todos eles. E os goleiros e beques que tinha de vencer eram Gilmar, Yashin, Banks, Mazurkiewicz, Carlos Alberto, Mauro, Nilton Santos, Breitner, Beckenbauer, Bobby Moore. Venceu-os a todos.
Só falei com Pelé uma vez. Mas ele falou comigo a cada toque na bola que o vi fazer.
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Ruy Castro (Folha de São Paulo, 22 de dezembro de 2022)
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