Eu penso... Eu penso muitas coisas. Espararei a noite, se estiver vivo, para refletir. Vivo... Quando uma missão está fácil, retorna uma a cada três. Quando é um pouco “chata”, fica mais difícil, evidentemente, voltar. E aqui, no gabinete do comandante, a morte não me parece nem augusta nem majestosa, nem heroica nem dilacerante. Ela é apenas um sinal de desordem. Um efeito da desordem. O Grupo vai nos perder, como se perdem bagagens numa confusão de conexões de estradas de ferro.
E não é que não pense sobre a guerra, sobre a morte, sobre o sacrifício, sobre a França, qualquer outra coisa, mas me falta conceito diretor, uma linguagem clara. Penso por contradições. Minha verdade está em pedaços e só posso considerá-los um após o outro. Se estiver vivo, espararei a noite para refletir. A noite bem-amada. À noite, a razão dorme, e simplesmente as coisas são como são. As que importam verdadeiramente retomam sua forma, sobrevivem às destruições das análises do dia. O homem reata seus pedaços e se torna árvore calma.
O dia é das cenas de briga, mas à noite, aquele que brigou reencontra o Amor. Pois o amor é maior do que o sopro das palavras. E o homem se debruça em sua janela, sob as estrelas, de novo responsável pelos filhos que dormem, pelo pão vindouro, pelo sono da esposa que repousa ali, tão frágil, delicada e passageira. O amor não se discute. Ele é. Que venha a noite e se mostre a mim alguma evidência que mereça o amor. Para que eu pense a civilização, o destino do homem, o gosto da amizade no meu país. Para que eu deseje servir a alguma verdade imperiosa, mesmo que, talvez, ainda inexprimível...
Por enquanto, pareço-me inteiramente com o cristão abandonado pela graça.
(...)
Esperarei a noite, se puder ainda viver, para andar um pouco a pé na grande estrada que atravessa nossa vila, envolvido em minha solidão bem-amada, a fim de nela reconhecer por que eu devo morrer.
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Aprendi aos quinze anos a minha primeira lição: um irmão, mais novo que eu, estava desenganado havia alguns dias. Numa manhã, por volta das quatro horas, sua enfermeira me acorda:
- Seu irmão mandou chamá-lo.
- Está se sentindo mal?
Ela nada responde. Eu me visto depressa e vou ver meu irmão.
Ele diz com uma voz habitual:
- Queria falar contigo antes de morrer. Eu vou morrer.
Uma crise nervosa o crispa e o faz calar-se.
Durante a crise, ele faz "não" com a mão. E não compreendo o gesto. Imagino que a criança recuse a morte. Mas, retomada a calmaria, ele me explica:
- Não te assustes... Não estou sofrendo. Não sinto dor. Não consigo evitar, é meu corpo.
Seu corpo, território estrangeiro, já é outro.
Mas esse irmão caçula que sucumbiria em vinte minutos, desejava ser sério. Ele sente a necessidade premente de delegar sua herança. E me diz: "Eu queria fazer meu testamento...". Enrubesce, está orgulhoso, é claro, de agir como um homem. Se fosse construtor de torres, ele me confiaria sua torre a construir. Se fosse pai, ele me confiaria seus filhos a instruir. Se fosse piloto de avião de guerra, ele me confiaria seus documentos de bordo. Mas ele é só uma criança. Só me confia um motor a vapor, uma bicicleta e uma carabina. A gente não morre. A gente imaginava temer a morte: tememos o inesperado, a explosão, tememos a nós mesmos. A morte? Não. Não há mais morte quando a encontramos. Meu irmão me disse: "Não te esqueças de escrever tudo isso...". Quando o corpo se desfaz, o essencial se mostra. O homem não passa de um nó de relações. Só as relações valem para o homem.
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Trechos extraídos do romance Piloto de Guerra, de Antoine de Saint-Exupery (tradução de Mônica Cristina Corrêa, editora Companhia das Letras).
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