Texto publicado no jornal Diário de Canoas, no dia 15 de fevereiro |
Se eu não tivesse me aposentado da escrita – cedo para uns, em tempo para maioria – escreveria que, dia desses, fui no relojoeiro. Porque eles ainda existem. Porque eles ainda resistem, na verdade. Estão perdidos em subsolos e em edifícios comerciais no Centro Histórico de Porto Alegre. Vasculhando bem, é possível encontrá-los.
Sei fazer pequenos ajustes e arrumações em meus relógios. Contudo, vez por outra, tenho que ir no relojoeiro. Porque eles são interessantes. Porque eles são pessoas antigas, que conversam e interagem com seres de carne e osso – e aço, borracha, couro, vidro... afinal, relógios também são seres fascinantes.
Obviamente, como bons entusiastas das máquinas do passado, o profissional das horas e eu criticávamos o mundo moderno. Enfileirávamos ranzinzices contra o novo. Foi então que o relojoeiro puxou uma gaveta. Ela estava abarrotada de modelos smartwatch. Deviam ter mais de trinta deles esparramados.
- Olha só! Tudo quinquilharia moderna. Eles estragam rápido. São uma porcaria! E o pior: não tem conserto. Os fabricantes já os produzem com esse objetivo. As pessoas trazem aqui. Eu olho, digo que não tem jeito e devolvo. Elas me dizem “fica pra ti ou pode botar fora”. Agora, é assim.
E é mesmo.
Enquanto isso, vários modelos em pleno funcionamento descansavam ali. Um Orient três estrelas fundo verde, um Seiko, um Casio G-Shock antigo... Nada de possíveis compradores. Porque as coisas que duram demais vão perdendo a graça.
Foi o que aconteceu com nossa conversa. Fomos nos entristecendo com as conclusões que chegávamos sobre o mundo de hoje. Até que nos despedimos com um desolador “até mais”.
No caminho, pensei que tenho que vasculhar a casa atrás de um relógio velho – nem que seja um de parede –, levar para o conserto e ter uma conversa um pouco mais esperançosa com meu amigo relojoeiro.
Excelente
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