quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Obituário

Viver uma vida complemente diferente da que se vive. Quem nunca refletiu sobre essa possibilidade? Quem, afinal, tem coragem para mudar o rumo das coisas? 

Sair ileso de um quase atropelamento, de um acidente vascular cerebral, de um amor que chegou ao fim. São muitos os motivos para os seres humanos buscarem a tal nova vida. Digo seres humanos, porque existiu um animal que teve duas completamente diferentes. 

Uma gata chamada Mendi. Em sua primeira metade da vida, ela viveu no bairro Azenha, região central de Porto Alegre. Foi boêmia. Dormiu em bueiros. Revirou lixo. Brigou. Namorou. Perdeu boa parte dos dentes. Um retrato da rua, basicamente. Durante essa etapa caótica e efervescente, a felina resolveu descansar em um motor de uma viatura da EPTC (empresa de trânsito situada na Azenha). 

O resultado dessa má escolha foi o rabo escalpelado e uma internação via extinta Seda (Secretaria dos Direitos dos Animais). Foi tratada, castrada e vacinada. Sua ficha dizia assim: "fêmea, preta, idade e raça indefinidas". Sem um lar, ela retornou para a sede da EPTC. Virou um animal comunitário. Adquiriu um hobby: caçar sabiás. Fato que desagradou os cuidadores dos pássaros, que penduravam suculentas laranjas e bebedouros nas árvores. A população dos sabiás caiu consideravelmente. O que ocasionou um forte protesto. "Seria bom que essa gata arranjasse um dono e saísse daqui, porque como está não dá mais".  

A partir daí, inicia a segunda vida de Mendi. Aliás, nessa etapa ela foi assim nomeada. Tornou-se uma felina classe média, que dividia um bom apartamento com outro gato e dois humanos. Com eles, viveu mais sete anos. Nesse meio tempo, ganhou  a companhia de um novo humano, um bebê, e virou inspiração para o livro "Um gato que se chamava Rex". 

No dia 31 de dezembro Mendi faleceu. Foi vencida por um tumor . Deixou dois donos, Lucas Barroso e Marília Macedo, e, pelo menos, dois grandes amigos, Murilo e Mick (o outro gato). Se epitáfio tivesse, nele estaria escrito "amou, foi amada e morreu". 

Como todas as vidas tem que ser.


Nenhum comentário:

Postar um comentário