terça-feira, 15 de outubro de 2019

Quando Pedro Perdeu a Paciência


Tive a sorte de trabalhar alguns anos com o mestre Pedro Farias, na Unisinos. Um exímio cinegrafista. Uma figura humana doce, que orientou milhares alunos nas cadeiras de televisão do curso de Jornalismo. De certa forma, era um professor.

E eu fui seu auxiliar de externa. Carregava aquele monte de tralha que fica atrás das câmeras. Cabos, microfones, maletas, tripés, luzes, monitor... Uma função! E das mais cansativas. Mas tinha 20 e poucos anos e precisava daquela bolsa-auxílio. Também me ajudava o fato de eu ter físico e fôlego de maratonista. Então, tirava de letra.

Gravávamos documentários e grandes reportagens com frequência. Só que no Jornalismo, como na vida, as coisas não acontecem como o planejado. No dia de filmar na rua, chovia. Ou, quando a entrevista estava agendada, a fonte sumia. É assim. E Pedro não se enervava com nada disso. Aguardava as novas definições e refazia o trabalho. Tudo bem se ficasse para outro dia e atrapalhasse seus compromissos. A maior virtude dele sempre foi a paciência. O homem tinha uma serenidade exemplar, digna de templo budista.

Mas teve um dia que Pedro perdeu a paciência. Um só.

Estávamos no Mercado Público de Porto Alegre acompanhando a rotina das pessoas e funcionários do local. Chegamos antes do Sol, dos peixeiros e dos entregadores. E a coisa foi indo. Dezenas de entrevistas, diversos pontos de captação de imagem. Sobe escada. Desce escada. Espera o entrevistado. Corre que o entrevistado só pode agora.

Horas e horas de fitas (ainda eram fitas). A coisa tava sem controle. Aparentemente parecia que o pessoal queria resolver o documentário em um dia apenas, de tanto material captado. Eu estava exausto. Só o monitor, que transmitia o que estava sendo gravando, pesava mais de 30 quilos. Sem contar os outros equipamentos que levava por todos os confins do Mercado.

Quando acabou, já era noite. Bancas fechadas. Ninguém circulando pelo local. O grupo responsável pelo documentário avaliou o conteúdo e disse que seriam necessárias mais duas externas. Tive uma crise. Juntei tudo, como um polvo louco, e fui em direção ao carro da tv. Indignado! Pedro veio atrás e ficou ouvindo meus impropérios.

- Porra! Hoje, foi foda! Vão tomar no cu! Tô moído, caralho! Quase quinze horas de gravação, Pedro! Eles acham que a gente é de ferro?! E ainda vão querer mais duas externas nessa pegada?! Vão se fuder!

A coloração do rosto do Pedro se alterou. Uma veia se sobressaiu em seu pescoço. Seus olhos em brasa. Estava nitidamente puto da cara e não se conteve.

- É... Tem vezes que é complicado mesmo.

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