terça-feira, 29 de outubro de 2019

Ananda Daya - Conto de Antônio Carlos Viana



1944 - 2016

Seu Matias comia cuscuz seco há três dias e ainda achava bom. Só de uma coisa na vida seu Matias não gostava: a solidão depois que a Neusinha se fora. Lia anúncios de jornal onde mulher procura homem, homem procura mulher, mas nunca teve coragem de ligar para nenhum número, nem também de publicar um anúncio. Foi numa dessas leituras que ele leu "Ananda Daya, cura prânica". Seu Matias sempre fora dado a leituras esotéricas, mas desse tipo de cura ele nunca ouvira falar. Quem sabe ela não curaria daquele mal que era a sua falta de energia para procurar alguém? Achava-se velho e feio. Ninguém iria olhar para um homem tão sem graça que nem ele, de cabelos poucos e nariz desabando.

O anúncio falava prodígios feitos pela mulher que anunciava mãos capazes de energizar a alma mais anêmica. E seu Matias, depois de avaliar suas economias, lá se foi com a alma encolhida.
Esperava encontrar uma senhora de longas vestes, longas tranças, uma tiara na cabeça, incenso por todo o canto. Ao chegar lá, o que encontrou foi uma senhora madura, cabelos ralos amarelo-ovo, metida num bustiê vermelho combinado com calça de lycra justa, num tom mais vermelho ainda, com rendinhas laterais que davam pra ver que ela estava sem nada por baixo.

Ananda Daya, um boa tarde seco, abriu a porta fechada a cadeado. Ele se identificou. Era uma sala pobre mas ampla, onde secava num canto um lençol, e três toalhas de banho pingavam no taco escurecido. Ao pé da cama de massagem, um toca-fita, no outro canto um cabide de pé e uma mesinha onde havia cristais de todas as cores. Seu Matias sentiu um grande alívio, havia algo de espiritual, sim, naquela pobreza. Ele, que já estava fazendo mau juízo da mulher. Ela devia ser uma asceta, pouco ligando para os bens materiais.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Quando Pedro Perdeu a Paciência


Tive a sorte de trabalhar alguns anos com o mestre Pedro Farias, na Unisinos. Um exímio cinegrafista. Uma figura humana doce, que orientou milhares alunos nas cadeiras de televisão do curso de Jornalismo. De certa forma, era um professor.

E eu fui seu auxiliar de externa. Carregava aquele monte de tralha que fica atrás das câmeras. Cabos, microfones, maletas, tripés, luzes, monitor... Uma função! E das mais cansativas. Mas tinha 20 e poucos anos e precisava daquela bolsa-auxílio. Também me ajudava o fato de eu ter físico e fôlego de maratonista. Então, tirava de letra.

Gravávamos documentários e grandes reportagens com frequência. Só que no Jornalismo, como na vida, as coisas não acontecem como o planejado. No dia de filmar na rua, chovia. Ou, quando a entrevista estava agendada, a fonte sumia. É assim. E Pedro não se enervava com nada disso. Aguardava as novas definições e refazia o trabalho. Tudo bem se ficasse para outro dia e atrapalhasse seus compromissos. A maior virtude dele sempre foi a paciência. O homem tinha uma serenidade exemplar, digna de templo budista.

Mas teve um dia que Pedro perdeu a paciência. Um só.

Estávamos no Mercado Público de Porto Alegre acompanhando a rotina das pessoas e funcionários do local. Chegamos antes do Sol, dos peixeiros e dos entregadores. E a coisa foi indo. Dezenas de entrevistas, diversos pontos de captação de imagem. Sobe escada. Desce escada. Espera o entrevistado. Corre que o entrevistado só pode agora.

Horas e horas de fitas (ainda eram fitas). A coisa tava sem controle. Aparentemente parecia que o pessoal queria resolver o documentário em um dia apenas, de tanto material captado. Eu estava exausto. Só o monitor, que transmitia o que estava sendo gravando, pesava mais de 30 quilos. Sem contar os outros equipamentos que levava por todos os confins do Mercado.

Quando acabou, já era noite. Bancas fechadas. Ninguém circulando pelo local. O grupo responsável pelo documentário avaliou o conteúdo e disse que seriam necessárias mais duas externas. Tive uma crise. Juntei tudo, como um polvo louco, e fui em direção ao carro da tv. Indignado! Pedro veio atrás e ficou ouvindo meus impropérios.

- Porra! Hoje, foi foda! Vão tomar no cu! Tô moído, caralho! Quase quinze horas de gravação, Pedro! Eles acham que a gente é de ferro?! E ainda vão querer mais duas externas nessa pegada?! Vão se fuder!

A coloração do rosto do Pedro se alterou. Uma veia se sobressaiu em seu pescoço. Seus olhos em brasa. Estava nitidamente puto da cara e não se conteve.

- É... Tem vezes que é complicado mesmo.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Pato Fu Era Bom



Em algum momento da carreira, o Pato Fu meteu um sorvete na testa. Virou uma banda de abobalhados.

Mas, antes disso, eles faziam um som pra lá de bacana. Ou, talvez, na época do auge deles, lá por fim dos 90/início 2000, eu estivesse apaixonado por alguém e era mais tolerante e sensível com tudo ao meu redor. Vá saber...

Enfim, o fato é que ouvia esse ao vivo do Pato Fu direto. Boas baladas e experimentação na dose certa.

Hoje, ouvi de novo, mais velho e mais ranzinza, e o disco segue muito bom.