1944 - 2016 |
Seu Matias comia cuscuz seco há três dias e ainda achava
bom. Só de uma coisa na vida seu Matias não gostava: a solidão depois que a Neusinha
se fora. Lia anúncios de jornal onde mulher procura homem, homem procura
mulher, mas nunca teve coragem de ligar para nenhum número, nem também de
publicar um anúncio. Foi numa dessas leituras que ele leu "Ananda Daya,
cura prânica". Seu Matias sempre fora dado a leituras esotéricas, mas
desse tipo de cura ele nunca ouvira falar. Quem sabe ela não curaria daquele
mal que era a sua falta de energia para procurar alguém? Achava-se velho e
feio. Ninguém iria olhar para um homem tão sem graça que nem ele, de cabelos
poucos e nariz desabando.
O anúncio falava prodígios feitos pela mulher que anunciava
mãos capazes de energizar a alma mais anêmica. E seu Matias, depois de avaliar
suas economias, lá se foi com a alma encolhida.
Esperava encontrar uma senhora de longas vestes, longas
tranças, uma tiara na cabeça, incenso por todo o canto. Ao chegar lá, o que
encontrou foi uma senhora madura, cabelos ralos amarelo-ovo, metida num bustiê
vermelho combinado com calça de lycra justa, num tom mais vermelho ainda, com
rendinhas laterais que davam pra ver que ela estava sem nada por baixo.
Ananda Daya, um boa tarde seco, abriu a porta fechada a
cadeado. Ele se identificou. Era uma sala pobre mas ampla, onde secava num
canto um lençol, e três toalhas de banho pingavam no taco escurecido. Ao pé da
cama de massagem, um toca-fita, no outro canto um cabide de pé e uma mesinha
onde havia cristais de todas as cores. Seu Matias sentiu um grande alívio,
havia algo de espiritual, sim, naquela pobreza. Ele, que já estava fazendo mau
juízo da mulher. Ela devia ser uma asceta, pouco ligando para os bens
materiais.